terça-feira, 24 de dezembro de 2013

O gato

Havia chegado o inverno.

Repentinamente a porta da sala se abriu

e um vento gélido percorreu todo o ambiente.

Um gato, branco como a neve, entrou pela porta

e foi beber o leite que se encontrava em um grande pires.

Bebeu, bebeu, bebeu, até se saciar.

Em seguida mergulhou no leite e desapareceu.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O encontro

Otto Lara Rezende, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Hélio Peregrino



A noite chegou.

Mais uma vez,o cansaço imóvel do bronze

libertou suas almas.

Os que estavam sentados levantaram,

e lá se foram os quatros para o boteco

tomar cerveja com torresmo.

Ao clarear, como sempre, voltaram

e novamente morreram.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Bola amarela

Sathya ( 7 anos)

Quando voa pelo ar

minha bola amarela

parece uma estrela a brilhar.

Quando jogo com ela,

ela vira uma danada.

Pula, pula,pula,

como hula hula.

Mas quando dou um chutão

o goleiro cai de peito,

não tem mais jeito,

não tem perdão.

É goooool !

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Vão.

Fazia tempo que ele estava parado sob aquela árvore.

Aos poucos sua pele foi ficando cada vez mais seca, mais grossa e escura, tal qual a de um velho elefante.

Quanto mais seca e grossa ia ficando, mais o seu corpo ia se curvando para frente e perdendo a forma.

Por fim, tombou espatifando-se no chão em centenas de cacos, que logo foram assimilados pela avidez de uma terra úmida.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Parece um filme.

Assim como no assassinato de JFK, há 50 anos atrás, a história da fuga de Pizzolato, mensaleiro condenado, impressiona pela diversidade de teorias, todas dignas de roteiro de filmes policial. Elas revelam a existência de uma série de pistas falsas, que não poderiam ser implantadas exclusivamente pelo próprio fugitivo.

Todos já sabiam que ele já havia desaparecido há cerca de dois meses do Rio de Janeiro, onde morava com a mulher.

Somente após algumas horas do Supremo Tribunal Federal expedir o seu mandado de prisão, é que aparece a primeira informação do caso dando conta de que Pizzolato teria fugido para a Itália para não cumprir a pena que lhe foi imposta.

Por que esperar até o ultimo instante para fugir? Já que ele estaria decidido, por que não o teria feito antes?

A partir daí, várias outras teorias sobre a sua fuga começam a aparecer, cada qual levando em uma direção, mostrando uma real intenção de criar uma verdadeira cortina de fumaça ao redor do mensaleiro fujão.

A família, afirma que o foragido estaria na Itália, após deixar o Brasil pela cidade de Ponta Porã (MS) e ingressar no Paraguai por Pedro Juan Caballero. Outra hipótese, indica que Pizolato teria deixado o país através da cidade de Pedro Juan Caballero, no Paraguai, de onde teria seguido para a Argentina. De Buenos Aires teria viajado para a Europa com um documento supostamente emitido por um consulado italiano em substituição ao passaporte que lhe foi tomado pela justiça brasileira.

O consulato da Itália na Argentina nega que Pizzolato tenha solicitada a segunda via do passaporte ou conseguido algum documento que o substituísse.

O consulato da Italia no Paraguai também nega ter emitodo algum tipo de documento. Outra possibilidade aventada é que ele tenha viajado com um passaporte falsificado, conseguido com criminosos que atuam em território paraguaio.

Pelo seu lado, o governo italiano informou à polícia brasileira que não há registro da entrada de Henrique Pizzolato naquele país.

Mas a polícia federal brasileira, toda embananada, afirma que ele deixou o Brasil pelo Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, usando um passaporte italiano. Assunto esse, cheio de erros e mistérios.

Como um homem sozinho poderia criar uma trama tão complexa?

Certo é que, segundo os investigadores, Pizzolato sabia muito do esquema que levou seus companheiros à prisão. Sabe-se através da imprensa que ele teria pressionado o PT a livra-lo da cadeia, ameaçando abrir o bico.

O seu silêncio interessa não apenas aos que eventualmente tenham participado diretamente do escândalo de corrupção, mas principalmente ao que escaparam ilesos da execração pública e da condenação do Supremo.

Pizzolato sabe demais sobre o escândalo do Mensalão do PT e um eventual depoimento seu poderia ser uma bomba que terminaria por ressoar na reeleição da presidente Dilma Rousseff.

Comenta-se na imprensa que os dirigentes petistas não apenas sabiam como teriam ajudado nesta fuga, juntamente com um seguimento do governo federal, o qual era informado constantemente, pelo setor de inteligência, dos movimentos do mensaleiro.

Comenta-se que nada disso teria sido possível sem a conivência de autoridades federais, algumas interessadas no sumiço do ex-diretor do Banco do Brasil, que desde a CPI dos Correios é considerado um arquivo ambulante e altamente explosivo.

Existe também a possibilidade, para a Polícia Federal, que Pizzolato possa nem ter saído do Brasil.

Como nos grandes filmes policiais, e associando aos enredos já vistos e utilizados pelos envolvidos nesta trama, o desfecho desta história certamente poderá ter um final tórrido. Nos filmes da máfia, por exemplo, a pena para os traidores, ou para aqueles que ela acha que poderá vir a traí-la é sempre a mesma.

Enquanto Pizollato não reaparecer, sempre existe a possibilidade dele ainda estar no Brasil, descansando, quem sabe, tranquilamente na frialdade inorgânica da terra.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Dois poemas; um só poeta.

Quando se pensa nos poetas como um ser lírico, Manuel Bandeira nós mostra a sua face de um ser real e nada pudico. Suas abordagens ás vezes consideradas vulgares, pela tradição acadêmica, reforça a sua condição humana de poeta do cotidiano, transitando entre o sublime e o mundano com a mesma facilidade.

A alcunha de “O mais lírico dos poeta” parece não se encaixar na sua personalidade.

Arte de Amar

Manuel Bandeira

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.

A alma é que estraga o amor.

Só em Deus ela pode encontrar satisfação.

Não noutra alma. Só em Deus — ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

A Cópula.

Manuel Bandeira

Depois de lhe beijar meticulosamente

o cu, que é uma pimenta, a boceta, que é um doce,

o moço exibe à moça a bagagem que trouxe:

culhões e membro, um membro enorme e turgescente.

Ela toma-o na boca e morde-o. Incontinenti,

Não pode ele conter-se, e, de um jacto, esporrou-se.

Não desarmou porém. Antes, mais rijo, alteou-se

E fodeu-a. Ela geme, ela peida, ela sente

Que vai morrer: - "Eu morro! Ai, não queres que eu morra?!"

Grita para o rapaz que aceso como um diabo,

arde em cio e tesão na amorosa gangorra

E titilando-a nos mamilos e no rabo

(que depois irá ter sua ração de porra),

lhe enfia cona adentro o mangalho até o cabo.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

O buraco da fechadura.

Desde que o mundo é mundo que o homem se espiona. A arapongagem, como se conhece hoje, possivelmente teve seu início lá nos primórdios da humanidade, com a formação dos primeiros grupos de homo sapiens, quando ainda vagavam sem rumo pelas pradarias da África.

Por uma questão de sobrevivência, era preciso saber como o outro grupo conseguia abater aquele animal tão grande e sem grandes problemas. Agora eles teriam comida por vários dias, e a depender do clima, por várias semanas. Que “nova tecnologia” seria aquela? Era necessário saber. E para saber era preciso olhar, espiar; espionar. Espionar foi um ato que certamente ajudou de sobrevivência da própria humanidade, servindo como um catalizador da nossa evolução tecnológica.

Espionar o outro; o interesse pela vida alheia, e o prazer da bisbilhotice, parece fazer parte de natureza humana, estando encravada bem lá no fundo do nosso DNA.

Fala-se que os antigos Egípcios já possuíam um sistema de, digamos assim, “ aquisição de informações” bastante desenvolvido que servia ao estado, e pelo que se tem notícia, o primeiro serviço secreto oficial foi organizado por ordem do rei Luis XIV da França. De lá para cá, todo estadozinho que se preze tem o seu. Se não for para uso externo, é para uso interno, ou ambos.

Espionar o outro virou uma obsessão entre os estados constituídos. A guerra fria acelerou, refinou e sofisticou brutalmente os processos e as técnicas de espionagem. Espionagem e contraespionagem passaram a se misturar e já não se sabe mais quem começou primeiro. Na área das relações internacionais parece que a melhor defesa não é o ataque. É a espionagem.

Durante este longo tempo, parece que a única coisa que mudou foi a forma e a velocidade com que as “informações coletadas” chegam ao seu destino. O avanço tecnológico possibilitou uma espionagem “on line” sem a necessidade daqueles antigos agentes secretos que se infiltravam entre os inimigos, realizando todo o tipo de “trabalho sujo” que por ventura viesse a ocorrer.

Atualmente não se precisa mais enforcar ou decapitar o espião pilhado com a mão na massa. Se alguma coisa dá errado, é só desligar o sistema e fazer cara de desentendido quando acossado por algum repórter.

Hoje não adianta chorar nem fazer biquinho. Não adianta criptografar ou comprar um sistema especial qualquer. Quem vai lhe vender essa tecnologia é o mesmo que lhe espiona.

Dizem que a nossa saída para o espaço, através da base de Alcântara no Maranhão, sofreu uma “interferência” francesa. Oficialmente, a explosão foi provocada por uma pane elétrica que causou ignição antecipada de um dos propulsores do foguete. A localização da base brasileira é considerada uma das melhores do mundo para o lançamento de foguetes com satélites comerciais, pois com a proximidade ao Equador, estima-se uma economia de cerca 30% em combustível. Se desse certo, a base de Alcântara se transformaria na única concorrente do Centro Espacial de Kourou, localizado na Guiana Francesa. O acidente atrasou o nosso programa espacial em décadas.

Após o descobrimento do pré-sal a Quarta Frota americana, responsável pelo patrulhamento do atlântico sul foi reativada e eles deram uma chegadinha pela região, quase lançando ancora por aqui.

Estranhamente no leilão do campo gigante de Libra as grandes petroleiras americanas não se apresentaram. Por que elas não vieram? Será que é porque elas já sabem o que a gente ainda não sabe?

Ficar chocado com a descoberta das espionagens americana no Brasil, e ao resto do planeta, é no mínimo ingenuidade. Neste mundo, espiona mais quem pode mais. E o USA está no topo desta cadeia alimentar. Espionar vale grana; muitíssima grana.

Os russos, que também são protagonistas deste “modus vivendi” estão ressuscitando a velha e boa máquina de escrever. O serviço secreto comprou umas 20 máquinas para evitar possíveis vazamentos de informações através do uso de meios eletrônicos. E nós brasileiros o que faremos? Continuaremos vivendo ingenuamente e alegremente com a porta da nossa casa eternamente aberta, achando que todo o mundo é bonzinho e que bicho papão não existe?

Se assim for, estaremos fadados a ficar para sempre no nosso lugarzinho no pé da escada. E enquanto vamos sendo arapongados, continuamos dormindo em berço esplêndido. Bicho papão existe e vive dia e noite a nos espreitar.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Cruzando o rio.

Hoje a Sra.Janet Yellen, está sendo sabatinada pelo senado norte-americano para se tornar a primeira mulher a presidir o Federal Reserve , FED, onde atualmente ela é a vice-presidente.

Neste caso, a “entrevista” com o senado é um mero pró-forma. Basta olhar o extenso currículo da sabatinada.

Ela se formou em economia na Brow University em 1967 com honras summa cum laude - a maior delas -, indicando a máxima qualificação possível em uma titulação universitária. Em 1971, ela recebeu o seu PhD na Yale Universidade. A economista foi ainda professora assistente em Harvard entre 1971 e 1976 e economista do Federal Reserve Board of Governor entre 1977 e 1978. Além disso, Yellen também foi integrante do Comitê de Política Econômica da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) entre 1997 e 1999.

Yellen pertenceu ao grupo de conselheiros econômicos no governo de Bill Clinton, entre 1997 e 1999. Ela lecionou ainda na Universidade de Harvard e na London School of Economics, duas das principais instituições de ensino do mundo. Atualmente, ela é professora emérita da Universidade de Berkeley.

Atualmente, a economista possui uma cadeira no Conselho de Governadores do Federal Reserve. Ela é membro do Conselho de Relações Exteriores e da Academia norte-americana de Artes e Ciências. Ela é uma veterana do Fed, trabalhando tanto no Conselho de Administração e também como presidente da autoridade em São Francisco. Ou seja, ela possui experiência tanto em Washington quanto nos bancos regionais.

Yellen é descrita por uma amiga como uma "pequena senhora com um grande QI"(Quociente de inteligência; não confundir!)".. As suas anotações de aula, feitas nas aulas de James Tobin, economista keynesiano ganhador do Nobel de 1981, na Universidade de Yale, eram tão claras que serviram como guia de estudos para gerações de alunos da pós-graduação. Atualmente escreve artigos frequentemente com George Alerkof, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2001.

Com todo este currículo, quem deveria estar sabatinando quem ?

Mas é certo que o desafio que Janet Yellen irá enfrentar não será fácil e ela poderá até ser levada pelas fortes correntezas deste imenso rio, que é a economia americana. Mas que parece ser uma pessoa altamente preparada e qualificada para assumir o posto máximo desta gigantesca economia.

É por essas e outras, que as coisas costumam dar certo para os USA.

Se não for assim, teremos apenas ilusionismo e pura pirotecnia.

Este assunto, me fez lembrar de uma história:

- Encontraram-se a beira de um rio, um mago, um yogue e um mestre zen. (Aqui faço um parênteses para explicar que a pratica do zen japonês não é viver a vida absorto da realidade, como ficou tipificado no ocidente, e sim vivê-la profundamente em todos os seus aspectos, em plena consciência). Continuando...........

O yogue disse: “Vou mostrar à vocês como se atravessa um rio”. Elevou-se no ar e pousou na outra margem. Então o mago disse: “Isso não é nada”. Foi até a beira do rio e foi caminhando por sobre a água até o outro lado. O mestre zen, olhando tudo aquilo, arregaçou a roupa, entrou no rio e foi com muita dificuldade, caindo, tropeçando, nadando, até que chegou a outra margem todo ensopado. Começou a torcer a roupa, olhou para os dois e disse:

-“Vocês não sabem nada sobre atravessar um rio”

Referenciasda informações: Infomoney

terça-feira, 12 de novembro de 2013

O Santo.

Totalmente desesperado com o que lhe havia acontecido, Vitório ficou instantaneamente prostrado perante aquele inesperado e terrível infortúnio.

Verdadeiro homem de bem, Vitório sempre foi uma pessoa cordata. Excelente marido e bom pai, ele era uma daquelas pessoas que vivem exclusivamente para a família. A sua boa índole levava-o a paparicar até mesmo os seus sogros.

Sempre tranqüilo e com um leve sorriso nos lábios, ironizava quando seus amigos mais chegados caçoavam sobre a sua forma de ser:

- Ser assim não faz mal a ninguém! Além do mais, a gente termina marcando sempre alguns pontinhos. Nunca e sabe quando você vai precisar deles.

Dizia ele num tom quase profético.

Assim era Vitório. Um homem sério, daqueles que pouco se vê por aí. Mas tinha um defeito, um único defeito. Defeito este que ele escondia de todos. Não podia ver um rabo de saia que enlouquecia.

Quando isso acontecia, entrava em um estado psicológico febril. Sua mente passava a trabalhar como a de um enxadrista e de forma frenética, tratando logo de elaborar um plano complexo, onde as mais variadas possibilidades eram analisadas. Criava uma verdadeira trama, tudo para que sua vítima não tivesse a mínima chance. Vitório vibrava durante a formulação dos seus planos, sendo que o planejamento, por si só, já se transformavam em grande fonte de prazer.

Quando concluía pensava satisfeito:

- Essa é galinha morta! Já esta no papo.

Através de movimentos sinuosos e dissimulados, na tentativa de ludibriar a sua vítima, ele partia para o ataque. Mas, sempre por algum motivo, por mais que ele tentasse elaborar um plano perfeito, alguma coisa saía errada. Consternado e frustrado, Vitório, via a sua presa escapar-lhe por entre as frestas de sua armadilha.

Mas havia um plano, este sim, infalível. Com ele os seus anseios mais secretos nunca haviam sido frustrados.

Como homem de negócios, sempre que ganhava algum bom dinheiro extra, guardava-o sem dizer nada à esposa. No momento oportuno fazia uma “viagem comercial” para a capital, onde dizia ter negócios.

Chegando lá á noite, ia direto para uma determinada “casa”, onde já era conhecido por todas as “meninas”. Elas o chamavam de Castelo, que era o seu ultimo nome. Quando chegava, famoso por suas gorjetas polpudas, a voz corria entre elas: - Castelo chegou, Castelo chegou!

E assim Castelo se entregava totalmente ao prazer e a esbórnia. Passava toda a noite e parte do dia.

Inteiramente saciado nos seus instintos mais básicos, logo retornava para casa e, naturalmente, com grana do seu negócio bem sucedido.

De voltava, sempre levava algo singelo para sua esposa Marlene, e nunca esquecia as lembrancinhas dos seus amados sogros.

Como era de hábito, Marlene já sabia que logo depois, Vitorio, como um pombinho apaixonado, iria sair com ela para lhe comprar um grande presente com o dinheiro que ele havia ganhado na tal “viagem comercial”.

Sim, esse era um plano infalível, Não havia o que dar errado e todos ficavam felizes e ansiosos pela sua próxima ida.

Mas, um dia, algo aconteceu. Ao retornar de uma delas e ao chegar em casa, Vitório deparou-se com toda a família reunida na sala, em frente da televisão. Lá estavam a esposa, os filhos, sogro e, naturalmente, a sogra. Todos com cara de que alguma coisa muito séria havia ocorrido.

Ao sentir o clima um tanto quanto pesado, Vitório, como sempre fazia pronunciou, porém desta vez meio desconfiado:

- Minha lindinha, olhe o que eu trouxe para você!

Ele trazia para sua mulher uma cestinha de caqui.

Nada poderia ser mais ingênuo e dissimulado que uma cestinha de caqui.

Ao vê-lo, Marlene, em um estado totalmente colérico, fuzilou sem piedade:

- Seu miserável! Já estamos sabendo de tudo! Passou tudo na televisão. Que vergonha! Que vergonha!

E...e ....e. e tire esta cestinha de caqui da minha frente seu, seu,.........seu miserável.

E lá estava a televisão repetindo a cena mais uma vez, em um daqueles programas policiais. Naquele dia, por azar de Vitório, a policia tinha dado uma batida na casa das meninas, e recolhido todos para averiguações. Vitório aparecia na TV saindo do local ainda se vestindo e carregando seus sapatos. Devido há situação que se encontrava, ele não havia percebido a presença da televisão.

Finalmente, o plano infalível tinha dado zebra.

Totalmente desesperado com o que lhe havia acontecido, Vitório ficou instantaneamente prostrado perante aquele inesperado e terrível infortúnio.

Atônito por ter sido descoberto, e ainda segurando a cestinha de caqui, balbuciou completamente atordoado:

- Marlene, não fale assim comigo, não fale assim comigo.

- Você sabe que sou um santo!

Você sabe que sou um santo!

E lá do fundo da sala ouviu-se uma voz dizendo:

- Eu é que nunca acreditei nos mimos deste canalha.

Era a sogra.

E por causa desse veredicto, Vitório nunca conseguiu resgatar os seus “pontinhos acumulados”.

Claudio Sarnelli

28/04/2013

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

O Papa é pop.

Talvez o Papa Bento XVI com sua renuncia, tenha deixado para seus fiéis e para o mundo corporativo, o maior legado e ensinamento que um papa até hoje tenha preconizado.

Mesmo com toda autoridade que lhe foi conferida, ``representante de Deus na terra``, quem sabe, tenha percebido, que mesmo ele, teria atingido o seu limite de competência em conduzir e gerir sua instituição da melhor forma possível. Por isso pediu a sua mitra e vai sair agora no próximo dia 28.

Atualmente como as informações são abundantes, e as noticias rápidas e superficiais, propiciou a criação e disseminação da figuras dos `` especialistas superficiais``. ”Especialistas superficiais” são pessoas com pouco conhecimento e que se julgam especialistas em tudo, desconsiderando totalmente a existência do chamado “limite de competência”.

No mundo corporativo, estas pessoas são um verdadeiro perigo, um verdadeiro desastre. Neste ambiente não basta o querer. É fundamental ter o conhecimento e a experiência para realizar aquilo a que se propõe. Tem que ser verdadeiramente competente naquilo que se faz.

Atualmente, a contratação de um executivo por uma empresa privada, após os primeiros contatos, pode durar meses. Durante este tempo, não só o seu “curriculum” é analisado, mas o seu comportamento pretérito, a relação com a sua família, o que ele anda lendo, suas manias, etc. Tudo isso passou a ter uma importância capital na contratação destes profissionais.

Isto faz sentido e se torna necessário, porque hoje as corporações modernas, são vistas pelos especialistas como um organismo vivo, onde cada pessoa desta instituição atua como um pequeno órgão de um sistema maior. O gestor precisa ter uma visão sistêmica percebendo o macro e o micro com a mesma intensidade. Ele precisa atuar de forma a antever, identificar os problemas e criar as condições para que eles sejam resolvidos. Para isso é necessário conhecimento e experiência. Não se admite nas corporações modernas a figura dos “especialistas superficiais”.

A formação de novos gerentes nestes ambientes é feita com muito cuidado. Os mais velhos só ascendem se forem preparados e se prepararem os seus substitutos. A manutenção de sua ascensão depende diretamente de uma resposta eficiente do seu substituto. Assim é o mundo corporativo moderno.

Mas em muitas empresas as coisas não funcionam assim. Por exemplo, temos as empresas familiares. As estatísticas mostram que atualmente no mundo, de 10 destas empresas abertas, apenas 3 sobrevivem. Ou seja; não basta ser pai, irmão, primo, amigo, amigo do amigo e compadre. Não basta apenas ter um laço afetivo forte para vencer.

O mercado é exigente e cruel.

Para ele, só a competência salva!

“O pop não poupa ninguém.”

“O Papa é pop.

O pop não poupa ninguém”

Engenheiros do hawaii

Claudio Sarnelli

17/02/2013

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Histórias.

Hoje li no jornal que a marca Varig irá sumir até abril de 2014. A Gol, atual dona da companhia, entende que os passageiros associam a marca Varig a aviões velhos e ultrapassados, mesmo sendo a frota composta por aeronaves novas e modernas.

Lendo isso, imediatamente comecei a viajar no tempo e a lembrar da antiga Varig. Ela, como a Petrobras ainda é, era um verdadeiro símbolo nacional. Como dizia a propaganda, era "uma estrela brasileira viajando pelos céus azuis do mundo", anunciando à todos, que nós brasileiros éramos também capazes. Em uma época em que o Brasil era apenas futebol, carnaval e café, a Varig viria a se tornar um verdadeiro orgulho para o Brasil.

Lembrei-me também do glamour que era viajar por esta companhia aérea e em seguida me veio a triste lembrança da sua falência. Isto me fez pensar como tudo na vida parece ser realmente instável, mutável e impermanente.

A Varig, durante a sua existência, chegou a se tornar uma das maiores e mais conhecidas companhias aéreas privadas do mundo, concorria até mesmo com a grande PanAm dos americanos.

Era famosa pelos seus serviços de bordo e sempre primou pelo requinte. Na sua Primeira Classe servia-se até caviar. Mas a Varig não era só isso, não era só caviar e champanhe. A Varig era competência.

O treinamento de seu pessoal sempre foi uma meta permanente da empresa. Ela não se preocupava só com os seus pilotos e comandantes. Para isso, implantou um Centro de Treinamento Operacional, conhecido internacionalmente como "Varig Flight Training Center", que era um centro integrado para treinamento das principais áreas operacionais da companhia, onde eram oferecidos mais de 60 cursos diferentes.

Seu setor de Engenharia e Manutenção era reconhecido pelo seu alto padrão técnico. Prestava serviços também para diversas outras empresas nacionais e internacionais.

Durante os anos áureos, seus escritórios de atendimento no exterior eram considerados verdadeiros consulados extras-oficiais do país, pois prestavam os mais variados serviços de apoio ao público brasileiro em viagem.

Apesar de toda a expansão da empresa, incorporação de inovações tecnológicas, compra de aviões cada vez mais novos e serviços sofisticados a Varig começou a apresentar balanços negativos. Os atentados de 11de setembro que abalaram, de forma geral, toda a aviação comercial do mundo, não pouparam a Varig.

Em uma tentativa de recuperação, chegou-se até a mudar a sua identidade visual, adotando a famosa "estrela dourada".

Com o aprofundamento da crise, supostamente devido ao reflexo do congelamento das tarifas aéreas pelo governo, nas décadas de 1980 e 1990, completadas por uma administração ineficiente que não tomava qualquer atitude para evitar o crescimento da crise e reduzir as dívidas da empresa, a Varig "voava" cada vez mais rápido para a falência.

Nesta época, só o governo federal devia mais de 4 bilhões de reais ao grupo. Além disso, a Varig começou a perder espaço para outra empresas que adotaram o modelo Low Cost que conquistou definitivamente o público brasileiro.

Após sobreviver por 79 anos, em 2006 começaram as demissões, totalizando somente em um, dia mais de 5000 cortes de postos de trabalho.

A Fundação Ruben Berta, inicialmente chamada de Fundação dos Funcionários da Varig detinha o controle acionário da companhia. O seu objetivo principal era atuar como um fundo de previdência, prover benefícios médicos e assistenciais aos seus funcionários. A fundação também tinha um caráter filantrópico possibilitando ao cidadão comum, o acesso a medicamentos de necessidade vital sem similar no Brasil, oriundos dos Estados Unidos e Europa. Ela assumia a intermediação entre pacientes e distribuidores.

Outro caso emblemático da aviação brasileira foi o da Panair do Brasil, que após 35 anos de existência da noite para o dia teve o seu fim decretado pelo governo.

A destruição desta companhia teve a influência direta da política da época. Existia uma perseguição do regime militar contra seus proprietários, estes também, donos da TV Excelsior, que foi igualmente fechada por ordem da ditadura militar brasileira.

Ao contrário da Varig, a Panair do Brasil tinha um acervo gigantesco que superava em muito o seu passivo. Ela era dona da Celma, uma avançada oficina de retificação de motores que é até hoje é a maior da América Latina, e que atendia não apenas a Panair, mas também outras empresas e a própria Força Aérea Brasileira.

A Panair do Brasil tinha hangares equipados com tecnologia de ponta, de nível comparável a países de 1º mundo, e uma rede de agências consulares instaladas nas mais importantes capitais européias. Também era responsável por toda a infra-estrutura de telecomunicações aeronáuticas do país e por boa parte dos aeroportos do Norte/Nordeste, foram construídos com recursos próprios.

Os ex-funcionários da Panair do Brasil tinham orgulho de trabalhar para aquela companhia e com o seu fechamento, desde 1966, cerca de 400 pessoas passaram a se reunir anualmente, para lembrar os velhos tempos, celebrar e rememorar as agruras e as glórias da aeronáutica brasileira. Porém tudo isso virou passado, tudo virou pó, já não existe mais.

A impermanência das coisas é um fator natural da vida. Porém quando adicionamos a ela a política e grandes doses de incompetência, geramos uma mistura que passa a ser um catalisador da própria impermanência.

Isto foi o que aconteceu com estas duas grandes companhias aéreas brasileiras. A partir destas ocorrências a aviação comercial brasileira nunca mais foi a mesma.

Claudio Sarnelli

25/10/2013

terça-feira, 15 de outubro de 2013

O espírito do Natal.

Parafraseando Nelson Rodrigues que disse que “o mineiro só é solidário no câncer”, eu diria que nós, de modo geral, só somos “solidários” no natal.

Durante o resto do ano o que vemos é a intolerância, a inveja, a arrogância e até mesmo o desprezo com o próximo.

Durante todo o ano é um verdadeiro pega-prá-capar.

Quando chega o natal, parece que sendo solidário e desejando ao outro um simples “Feliz Natal e Próspero Ano Novo”, pensando cinco minutos na humanidade, na paz do planeta, ou dando uma lata de leite na esquina, a um pobre diabo que passa fome, a pessoa estaria compensando todo um comportamento individualista e egoísta que sustentou durante todo ano.

Os votos natalinos, de alguns, me soa como uma tentativa da aplicação do ensinamento cristão, onde se pode fazer o mal por toda uma vida, mas se houver o arrependimento na hora da morte, automaticamente estará salvo. No caso, sendo solidário ou fazendo um bem no natal, eu garanto uma consciência tranqüila pelos próximos doze meses.

Nesta época é comum você receber visitas, ou ser cumprimentado por pessoas que durante todo o ano nem ao menos lhe olha na cara, ou pior, por pessoas que você sabe que passam todo o tempo falando mal de você e lhe criando situações indesejáveis.

Tivemos um colega de trabalho, que Deus o tenha, que durante todo o ano nunca lhe dirigia a palavra. Com seu nariz empinado passava sem ao menos lhe enxergar.

Na véspera do natal era certo. Lá estava ele, entrava na sua sala com toda humildade do mundo, lhe desejando um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo, para você e paaaara toooda a sua família. Era uma emoção só! Era de correr lágrimas. Naquele momento glorioso ele externava toda a sua humildade e expunha, desnudadamente, a sua faceta humana.

Fazia questão de lhe dar um abraço, e daqueles bem apertado.

Incomodado com aquela situação que se repetia anualmente, certa vez quando ele entrou na minha sala, eu pulei da cadeira e gritei: - Esse ano não! Qual é a sua cara? Você passa por mim todo ano e nem me olha na cara. Agora como é natal vem me trazer seus votos natalinos e me dar um abraço.

-Cara, qual é a sua?

Ele, meio atordoado com a minha reação inesperada, e ainda meio atônito, deu meia-volta e voltou para a sua sala.

É claro que a partir daquela data não recebi mais a sua visita anual. Alguns dizem que ele após este caso parou com aquele seu habito natalino. Agora pergunto à vocês: - Será que ele caiu na real? Será que fui duro com ele? Em minha opinião, acho que não!

O que devemos entender é que não somos latrinas de consciências pesadas para recebermos as descargas negativas dos arrependimentos alheios em busca de salvação.

Quando desejamos um Feliz Natal, realmente devemos fazê-lo com todo o coração, desejando profundamente o melhor para aquela pessoa, porque senão ela certamente ela irá perceber a nossa hipocrisia.

Para você que está recebendo esta crônica, eu realmente lhe desejo muitas felicidades neste fim de ano e nos outros anos que estão por vir. Tenha certeza que é realmente de coração. Se assim não o fosse, você não estaria na minha lista de amigos.

* Nelson Rodrigues atribuía a frase “O mineiro só é solidário no câncer” á Otto Lara Rezende.

Careca por um tempo.

Como a maioria já sabe, carequei geral.

Outro dia passando em frente a uma barbeira, parei, olhei, pensei e decidi entrar.

Sentei na cadeira e falei para o barbeiro:

- Passa a máquina zero!

Ele, com toda a calma olhou para mim, se curvou um pouco e perguntou num tom de muito respeito:

- O senhor tem certeza?

Eu sem pestanejar, pois era uma coisa que já de muito tempo queria fazer, respondi:

- Tenho sim! Manda brasa!

O resultado desse ato quase insano é uma experiência que vale a pena ser contada.

A primeira coisa que acontece quando você faz uma coisa assim, e vê cair o último fio de cabelo, é você sentir um verdadeiro vazio existencial. Definitivamente, aquele cara que estava sendo refletido no espelho não era mais você. Lá estava um desconhecido. Um estranho, um estrangeiro, um alienígena.

E agora? O que fazer?

Você sai da barbearia um pouco atordoado e fica por algum tempo repetindo para você mesmo: O que fazer agora? E agora o que fazer? Depois de muito pensar, veio a inspiração: O Google, o Google! Talvez o ele tenha a resposta! Ele tem resposta para tudo.

Por que não teria para um recém careca desesperado?

Depois de procurar um pouco, achei em um link com o resultado de uma pesquisa feita pela Universidade da Pensilvânia, que ao meu ver deve ter sido feita por cientistas carecas, explico mais adiante. A tal pesquisa sugere que homens que resolvem ficar carecas raspando a cabeça, parecem mais viris, poderosos e fisicamente mais fortes.

Isto era um bom alento, mas definitivamente não era assim que eu me sentia naquele momento.

Depois de alguns acontecimentos tive a certeza de que a pesquisa foi mesmo feita por cientistas carecas querendo valorizar a sua mercadoria, ou digamos, a sua falta de mercadoria.

A primeira coisa que aconteceu comigo foi quando cheguei em casa e escutei da minha mulher que me olhava de forma indignada:

- O que foi que você fez? Deste jeito não saio mais com você.

Aí eu pensei:

- É já vi que hoje não rolar nada. Não adianta nem tentar.

Ela estava certa. Imagine só, se você mesmo não se reconhece mais, imagine sua esposa. O cara que acaba de entra na casa é também um total desconhecido para ela.

Lá se foi o primeiro ponto positivo da gloriosa pesquisa Pensilvaniana.

Quando encontrei a minha filha menor de quatro anos, ela ficou olhando para mim de um modo estranho. Olhou, olhou, mas no final gritou: -É meu pai! É meu pai!. Bom, demorou mas pelo menos ela me reconheceu.

O problema apareceu quando pedi para ela entrar e ela me respondeu:

- Não vou entrar porque você está careca!

Neste momento me senti um leão sem juba. Dá para imaginar um leão sem juba? Se você olhar bem um leão, parece que toda a sua majestade repousa exclusivamente na juba. Tirando a juba parece que não sobra muita coisa.

Instantaneamente parecia que eu tinha perdido todo o meu poder sobre a minha alcatéia. Deste ponto de vista ela estava certa, quem levaria a sério um leão sem juba?

Mais uma vez, a nobre pesquisa errava.

No meu surto “privo de capelli” momentâneo, passei aquela primeira noite toda “inclaro”. Me olhava no espelho á todo instante tentando ver se o cabelo já tinha crescido um pouquinho e tentando calcular em quanto tempo ele voltaria ao normal. No outro dia, eu estava todo quebrado pela noite perdida. Fisicamente eu estava acabado. Tive que Passar três dias para me recuperar do ocorrido. O terceiro postulado da pesquisa capilar tinha também caído por terra.

Lá se foram as minhas três e únicas esperanças. No meio daquele desespero total me veio uma luz. Lembrei-me do “tempo”. Sim, ele, o tempo, só ele iria dar jeito nesta situação.

Era tudo muito simples. O negócio era ter calma. E como deveria mesmo aguardar e esperar, terminei ficando tranqüilo e saindo do meu surto capilar.

Agora que já me acostumei com a minha nova aparência, fico curtindo o crescimento da minha nova “cabeleira”. E olhando bem, até que não fiquei tão mal assim!

Mas o certo é que:

Raspar, nunca mais!

06/12/2012

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Deu no jornal!

O Globo publicou na semana passada uma reportagem em que dizia que uma empresa holandesa, a Mars One, pretende até 2023 instalar em Marte uma colônia humana. O principal detalhe deste projeto, e que chama muita atenção, por um “probleminha” de custos, é que a passagem dos astronautas será apenas de ida.

Tá pensando que é brincadeira? Não é não! É isso mesmo. Passagem só de ida.

Mesmo assim, já tem mais de 100 mil inscrições de voluntários querendo se mudar para o planeta vermelho para morar em pequenas cápsulas, provavelmente cedidas pelo BNH.

A idéia de mandar gente para Marte com passagem só de ida é me parece assustador. Mas os autores do projeto afirmam que isso não é nada de mais. Dizem que isto não seria mais estranho que uma passagem só de ida para os Estados Unidos em 1620, na época da colonização americana, e que a exploração, as descobertas e as viagens para o desconhecido fazem parte do próprio espírito humano.

Convenhamos, existe uma grande diferença entre os dois casos. Aposto, sem chances de errar, que nenhum dos donos da Mars One embarcaria em um vôo “one way” para Marte.

A proposta seria mandar inicialmente quatro pessoas “equipadas” com um pequeno reator nuclear debaixo do braço e um par de veículos. Presumo que pás e picaretas e band-aids devem fazer parte do kit básico de sobrevivência. Lá os “news marcianos” teriam que fabricar seu próprio oxigênio, cultivar alimentos, e até mesmo iniciar projetos de construção utilizando-se de matérias primas local, com o objetivo de acolher os futuros humanos que seriam enviados. Coisa leve, fácil de fazer, sem problema algum.

Periodicamente (até faltar grana) remessas de alimentos e suprimentos médicos seriam enviadas da terra aos nossos expedicionários.

No meio de todos os voluntários inscritos logicamente existem brasileiros. E como dito na reportagem por uma compatriota, ela “quer ter a oportunidade de experimentar uma nova forma de viver em uma “nova sociedade.

Tudo bem! Eu até posso entender estas questões filosóficas da natureza humana sobre a curiosidade pelo desconhecido, mas gostaria de fazer algumas perguntas:

O que há de errado com a velha Terra? Tá faltando espaço? Estão faltando alimentos? Está faltando privacidade?

Se o problema é a falta de privacidade, existem locais na Terra totalmente isolados, totalmente ermos, ótimos para se iniciar uma nova sociedade. Garanto que todos muito mais aprazíveis que qualquer lugar de Marte.

Por que ir morar lá?

Talvez o problema dos nossos aspirantes á marcianos, não seja propriamente a velha Terra, e sim a complicada natureza do ser humano que nela habita Conhecendo esta natureza, fica fácil de fazer algumas previsões.

Certamente se enviarmos inicialmente para Marte estas quatro pessoas, mesmo antes de chegar lá, uma delas vai querer ser o chefe, a outra para tirar proveito da situação vai se colocar na posição de “amigo do chefe” e a terceira, para não perder espaço, vai logo se candidatar a consultor marciano para assuntos outros. O que vacilar vai terminar fazendo todo o trabalho pesado. Lembram das pás e picaretas e dos bad-aids? Continuando.....: Se por um acaso faltar vaga na cápsula e só couberem três camas, as vagas certamente ficarão distribuídas da seguinte forma: uma para o chefe, uma para o "amigo do chefe” e a outra para o consultor.

Sem direito a sua vaga, o nosso quarto viajante, vai mesmo ter que dormir ao relento sem ao menos ter direito a um rodízio de “cama quente”.

Esta é a grande verdade sobre a natureza humana, “farinha pouca o meu pirão primeiro”. Ela é valida tanto aqui na terra, como em Marte ou em qualquer lugar do universo.

Basta apenas juntarmos dois seres humanos.



18/08/2013

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Barbosinha vai a New York.

Barbosinha é um amigo de longas datas, figura calma, baixinho e franzino, sujeito muito valente, destemido e principalmente orgulhoso das suas origens.

Filho de Cabrobo, cidade que fica lá no oeste do estado de Pernambuco, e como ele mesmo diz, sempre foi um homem do semi-árido, um homem do sertão. E isto podia ser notado pela sua forma de ser, e pelos seus costumes tradicionais.

De inteligência privilegiada, foi alfabetizado por dona Justina, professora das antigas, que se orgulhava deste seu aluno, que com apenas doze anos de idade já lia Camões, e era versado em vários outros escritores portugueses.

Aos 17 anos, Barbosinha partiu para o Recife para cursar a universidade, tornando-se o melhor aluno de todos os tempos daquela instituição. Aos 23, já era professor emérito de português, da escola de letras da universidade do Recife.

Afonso Barbosa Castanho De Almeida, mas para os amigos simplesmente Barbosinha. Sujeito culto, orgulhoso do seu conhecimento da língua portuguesa e extremamente polido ao falar. Não admitia, em hipótese alguma, o uso de gírias pelos seus alunos ou por quem quer que fosse.

Mesmo sendo um “homem do agreste” vestia-se sempre com excessivo apuro e formalidade. Seu costume é de, até hoje, usar camisa social fechada até o ultimo botão, Jamais foi visto com o peito desnudo por qualquer um dos seus amigos. Com a barba sempre bem feita e seu cabelo impecavelmente cortado e bem penteado, e usando sempre um leve gumex, que ninguém sabia onde ele conseguia, Barbosinha é realmente um tipo peculiar.

Dentre suas muitas manias, uma ficava evidente. Há muitos anos que Barbosinha vinha nos falando enfaticamente e sistematicamente, apesar de nunca ter ido aos Estados Unidos, sobre a beleza que é a árvore de natal do Rockefeller Center em New York.

Ele conhece toda a história desta árvore, desde a sua primeira exposição em 1931; e todo ano é a mesma coisa, vai chegando o natal e ele começa com a mesma história, a tal da beleza da árvore do Rockefeller Center.

Essa história já tinha virado piada entre os amigos.Quando alguém queria brincar com ele, e adjetivar alguma coisa de bela, era só dizer: - Êta, isso é mais bonito que a árvore do Rockefeller Center. Barbosinha não gostava muito, mas levava numa boa.

No ano passado ele se encheu de coragem e tomou uma decisão, a qual nos Informou quase que de forma solene: - Caros amigos, gostaria de “cientificar” a todos, que comprei passagem para New York e desta vez vou ver pessoalmente a beleza da árvore de natal do Rockefeller Center, ao vivo e á cores. Partirei em breve! Bradou ele.

Era uma grande notícia. Era, com certeza, a notícia do ano! Barbosinha finalmente iria conhecer a tal da árvore. Mas, no meio da conversa me ocorreu de perguntar:

- E o frio Barbosinha? Exclamei.

Confiante nos seus conhecimentos e na sua organização, ele me respondeu sorrindo:

- Não se preocupe meu amigo, que esta tudo absolutamente sob controle. Você já viu um pernambucano com frio!

E assim, Barbosinha partiu para a terra do Tio Sam, juntamente com Dna Mariá e sua filha Paloma, em busca da realização do seu sonho.

Depois de alguns dias, após a viagem do nosso amigo, interei-me do frio que estava fazendo em New YorK. Os termômetros estavam marcando quase 6 graus negativos. Entre preocupado e curioso, não me contive e liguei para Barbosinha.

Do outro lado da linha, uma voz macabra a tende ao telefone: -Alôôôôô......... A princípio não reconheci aquela voz. Alguns segundos depois disse:

-Eu queria falar com Barbosinha.

Então a voz catacumbica responde: - Ééééé ele quem faalaaaa! Queeeem tá falaaaando?

Por alguns instantes fiquei mudo por ouvir aquelas palavras arrastadas e fiquei imaginando o que estaria acontecendo com o velho Barbosa. Ele estaria doente?

Finalmente respondi: - Sou eu Barbosinha, o seu amigo baiano! Eu só estou ligando para saber como você está passando com todo este frio, que está fazendo aí em New York.

Neste momento o telefone emudeceu totalmente.

Um tempo depois, em meio a uma profusão de palavras inicialmente desconexas, pude entender finalmente o que Barbosinha queria dizer: -Traduzindo - Estou aqui no quarto do hotel debaixo de toneladas de cobertas, está fazendo um frio bárbaro.

Aí caí na bobagem de perguntar:

- Mas, pelo menos você já chegou a ver a tal da árvore?

Parece que neste momento a minha indagação ativou algo profundo no seu inconsciente. Aí o meu amigo não si conteve mais, e se transformando totalmente, como um menino aperreado disparou solenemente: - Seu filho do cabrunco, você tá me gozando é? Com esse frio fudido que esta fazendo quem é que quer ver a merda, a porra daquela árvore! Parece que é abestado! Você está de gozação comigo é? É? Seu borrego gaiato! Quando eu chegar aí você vai ver o que é bom prá tosse, seu filho do cabrunco.

Sem saber o que dizer, e me sentindo meio atabalhoado, pois nunca tinha ouvido Barbosinha falar daquele jeito e na tentativa de desviar um pouco o assunto, perguntei já meio sem graça:

-E Mariá e Paloma, como estão passando? Elas também estão com problema com o frio?

- Frio porra nenhuma! Elas foram passear e ver a merda daquela árvore. Já é a terceira vez que elas fazem isso.

Muito sem jeito, encerrei a conversa, o mais rápido possível, e desliguei.

Mas o fato é; quando Barbosinha voltou ao Brasil já não era mais o mesmo. Esta viagem o tinha mudado profundamente. De uma pessoa altiva, ele passou a ter um comportamento estranho meio depressivo, meio agressivo. Palavras chulas brotavam com facilidade de sua boca, principalmente quando se aborrecia. A sua fama de homem sério, cordato e polido já não lhe cabia mais.

Mas o que ele não agüentava mesmo, e aí ele virava uma fera totalmente sem controle, era ouvir DNA. Maria e Paloma falarem, ainda admiradas, para os amigos sobre a beleza que era a árvore de natal do Rockfeller Center.

Claudio Sarnelli

24/02/2013

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A fenda.

Egberto acordou sobressaltado com o choro de sua filha. Levantou-se rapidamente e tratou de atendê-la. Logo que a pequena se acalmou e dormiu, retornou para a sua cama.

Mas algo o impedia de dormir imediatamente. Por algum tempo ficou rolando, sem conseguir reconciliar o sono. Enquanto se movia “de lá para cá”, observou que o relógio, que se encontrava ao seu lado, sobre o criado-mudo, marcava exatamente 00h00min. Admirado concluiu: Que coincidência!

Curioso, passou a examinar o relógio, que estranhamente não avançava.

Isso começou a intrigá-lo. Estaria quebrado? Pensou.

Passou mais algum tempo e enigmaticamente o relógio não se movia.

De repente, tudo que estava no quarto começou lentamente, a emanar uma suave luz azul brilhante. A cada instante, se tornava mais forte, até o ponto que já não era mais possível ver os objetos do próprio quarto. Profundamente assustado, descobriu que Marise, sua mulher, já não se encontrava mais ao seu lado.

Após alguns instantes, a luz se tornou tão intensa, que ele já não podia mais manter os olhos abertos. Curiosamente, mesmo com eles fechados, podia perceber todas as nuances daquela luz. Gradativamente, ela foi se transformando em uma vibração, que de intensa foi se tornando cada vez mais suave e harmônica.

Egberto, mais uma vez se assustou, e quase entrou em pânico quando percebeu que seu corpo também já não mais existia. Ele e aquela vibração haviam se fundido em uma só unidade. Ele pensou: - Terei morrido enquanto dormia? A morte é assim?

Mas o fato é que ele, paulatinamente, começou a se sentir dissolvido naquela onda de energia, sendo tomado por um estado de plenitude que jamais havia experimentado. Encontrava-se em um contentamento imperturbável, sentindo-se uno com o próprio universo.

Quando percebeu isso, concluiu com uma certeza absoluta: - Morri! Agora sei que morri.

Egberto ficou neste estado por horas, “curtindo” a sua morte. Finalmente ela não era uma coisa tão ruim, muito pelo contrário. Ele tinha alcançado um estado de grande felicidade, de glória, de uma bem-aventura perfeita, o que em vida seria impossível.

- É; não havia mais duvida, Egberto havia morrido enquanto dormia.

Repentinamente algo aconteceu. Ele percebeu que agora, já presente no seu corpo, viajava a uma velocidade indescritível, dando a impressão que uma seqüência de portas ia se fechando atrás dele. A cada passagem por uma delas podia ouvir um estrondo fortíssimo.

Era sua mulher que o acordara para saber como estava a menina. Ele, ainda atordoado com o acontecido, balbuciou algumas palavras sem nexo e virou para o outro lado. Neste instante percebeu claramente que o relógio que ainda marcava 00h:00 min, acabava de passar a marcar o primeiro segundo do novo dia.

Surpreso concluiu mais uma vez: - Eu não estou morto! Ainda pasmo com o que lhe havia ocorrido refletiu: Mas aquele tempo todo que passei naquele lugar foi real. Tenho certeza que foi real.

Mas todas essas perguntas iniciais não se significavam nada perante o grande sentimento de paz que aquela profunda experiência lhe tinha proporcionado.

O dia amanheceu e ele se mantinha desperto, deleitando-se com aquela felicidade sem fim. E foi assim pelo resto da manhã, tarde e noite.

Os dias foram se passando e todas as noites enquanto Egberto dormia, invariavelmente ele passava pela mesma experiência.

Nesse período, passou a falar raramente com as pessoas da casa e fechou-se.

Desfrutava no silêncio a grande benção que tinha recebido.

Curtia o dia de bem- aventurança, enquanto aguardava a noite chegar para mais um encontro, e para mais uma dose de felicidade incomensurável.

As coisas do mundo já não lhe importavam mais.

Os encontros noturnos de Egberto se repetiram sempre, da mesma forma e por exatos trinta dias.

Quando a experiência passou a não ocorrer mais, ele, aos poucos, com o decorrer dos dias, passou a se comportar de forma muito estranha e obsessiva. Só falava da luz azul e da angustia que era viver sem ela. Não conseguia conviver mais com sua antiga realidade, sem aqueles encontros.

Passou a acordar á noite, sobressaltado, sem fôlego, ofegante e murmurando repetidamente: A luz, a luz........

Os dias se passaram, mas a experiência nunca mais se repetiu.

Certo dia, Egberto já bastante depauperado, desapareceu de casa.

E por um bom tempo permaneceu sumido. A família, desesperada, por vários dias o procurou por toda a cidade.

Ela ficava se perguntando:

- Onde estará Egberto? O que ele estará fazendo?

Em uma manhã chuvosa, chegou a terrível resposta. Egberto tina sido encontrado, porém sem vida. Ele tinha pulado do viaduto mais alto da cidade.

Em sua mão foi encontrado um bilhete que dizia: Perdão Marise,

Descobri que existe uma fenda no tempo, e a luz azul está lá.

Já não consigo mais viver sem ela.

Só assim posso encontrá-la.

Com muito amor,

Egberto

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Uma festa sem igual.

O casamento transcorreu em harmonia. O local era uma capela singela do século XVI, muito agradável. A noiva chegou no horário. O padre, desta vez, fez uma preleção rápida e bastante realista para os nubentes e convidados. E assim o casamento foi se realizando, sempre embalado por um magnífico coral, que brindou a todos com uma seleção de músicas primorosas.

Ao final, soaram as trombetas e os convidados foram conduzidos ao salão de festa. O local exalava glamour. Mesas finamente decoradas, candelabros que caiam do teto e discretas luzes coloridas envolviam todo o ambiente, criando uma atmosfera toda especial e requintada.

Os convidados ao chegarem, foram recebidos com musica de Frank Sinatra e de outros cantores famosos da época. No centro do salão uma área era destinada à discoteca. Tudo muito bonito. Os anfitriões haviam criado realmente um ambiente perfeito. Um ambiente fino e de classe para os noivos festejarem as suas bodas, na companhia dos seus amigos e convidados, naquele que seria um evento memorável. Descortinava-se uma verdadeira noite de gala.

A indumentária dos convidados estava totalmente de acordo com o ambiente. Os homens elegantemente vestidos com seus paletós finos, sapatos brilhantes e cabelos impecavelmente cortados. As mulheres com seus longos vestidos, coberto de brilho, e com suas sandálias de salto, que as tornava mais altas e elegantes. Seus cabelos, irretocáveis, penteados para a ocasião, com muito esmero.

No salão observava-se um discreto balé de garçons, que com suas bandejas ao alto, repletas de finas iguarias e bebidas, iam e viam sem parar. Decididamente o clima de glamour estava no ar, e a ordem era aproveitar o ambienta que aquela festa proporcionava.

Mas á medida que os convidados iam comendo, dançando e principalmente bebendo, a animação foi crescendo de forma abrupta. A uma certa altura da festa, os primeiros sinais de fumaça do efeito alcoólico chegaram aos cérebros dos alegres dançarinos, que aproveitavam a área da discoteca. O sangue, que agora começava a ferver, passava a ser bombeado com mais intensidade, levando à todas as partes dos seus corpos certos sinais hereditários e tribais, que faziam ouvir o som dos tambores, sentir o cheiro da fumaça das fogueiras, e um certo gosto da carne crua que chegava às suas bocas, através de arrotos ancestrais.

Já com a química do corpo totalmente transfigurada, aquele som antigo e nostálgico, já não era mais digerido pela galera. Sem cerimônia, alguém vai ao DJ e fala: - Aê baêa, você não tem uma musiquinha com uma batida mais maneira?

Pronto; aquela era a senha que o DJ esperava ansiosamente. Sem pestanejar bota para tocar um daqueles funk pesado.

A essa altura, os dançarinos, quase que em transe, mergulham de corpo e alma naquele ritmo quase que tribal, enquanto os uísques e os alcoólicos iam desaparecendo quase que totalmente das bandejas dos garçons. A temperatura ia esquentando cada vez mais. Chegou o momento que os homens começaram a tirar seus paletós, desabotoar suas camisas e folgar completamente suas gravatas. Já as mulheres, tiraram as sandálias e descalças se entregaram completamente á aquele som.

A sensualidade brotava por todos os lados, tomando conta dos dançarinos. As mulheres começaram a rebolar naquele sobe e desce frenético, enquanto esfregavam seus corpos e cabelos, num frenesi constante. Os homens, excitados com os movimentos de suas parceiras, acompanhavam aquele ritmo quente como verdadeiros lobos, prontos para abater a sua presa.

A essa altura, os noivos, já totalmente desconsolados e completamente desesperados, com o que estava acontecendo com a sua festa, ouvem alguém murmurar aos seus ouvidos: - Manda recolher rápido as garrafas, antes que eles resolvam dançar ``na boquinha da garrafa``.

Já não havia mais o que fazer.

Para os nubentes a festa estava acabada.

Sem dúvida, esta foi uma festa sem igual.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A máquina.

E finalmente ela chegou. A impressora que todos estavam esperando acabava de chegar. Essa ansiedade toda era justificada, pois não era uma máquina qualquer, era algo realmente especial, uma daquelas “High Tech” de ultima geração, cheia de funções para todos os lados e luzes que tudo indicava. A novidade foi recebida euforicamente por todos, enquanto, em pleno corredor, a turma da informática já executava os primeiros movimentos para colocá-la em funcionamento.

Após os últimos ajustes, os responsáveis pela instalação elogiavam a qualidade excepcional daquele aparato maravilhoso e de tudo que ele podia fazer. Era muita tecnologia concentrada numa só peça. Copiava, escaniava, imprimia, enviava e-mails, e fazia muitas coisas mais. E tudo com altíssima qualidade.

- Esta máquina é tão avançada que só falta falar. Disse um deles ao terminar a instalação. E assim, ela foi deixada no corredor disponível para uso imediato.

De tão imponente que era, com suas dezenas de botões coloridos e luzes piscantes, até gerava certo receio à que ia usá-la. Rapidamente se percebeu que não seria muito fácil operar a tal máquina.

Mas como sempre, aqueles que adoram fuçar novas tecnologias partiram para o ataque. Aperta botão daqui, aperta botão dali e nada. Parecia que operá-la não era realmente uma tarefa fácil. Assim, para evitar vexames, as pessoas já estavam preferindo fazer suas tentativas com corredor vazio.

Lá pelas tantas, Aderbal parte para usá-la. Tenta, tenta e nada.

Olhando desorientado para aquela maravilha cibernética pensa consigo mesmo: - O que é que eu faço agora?

Neste instante, a máquina emite alguns sinais luminosos, faz uns barulhinhos e lança uma folha onde estava escrito:

- Aderbal, aperte o botão verde e depois dê OK.

Quando Aderbal leu o que estava escrito tomou um grande susto e logo pensou: - Isso é armação da turma! Olhou para um lado, nada, olhou para outro e nada. Não havia ninguém.

Novos sons e mais luzes piscaram e mais uma folha aparece.

Nela se lia: - Você vai ficar ai parado, ou vai fazer o que mandei? Aderbal, desconfiadíssimo, fez o que ela lhe havia indicado e em seguida, lá estava ao seu trabalho realizado.

Logo ele pensou:

- Que máquina é essa!

E mais uma folha de papel sai da impressora. Lá estava a resposta à exclamação de Aderbal.

-Eu sou uma maquina especial, posso perceber os seus pensamentos e conversar com você através das minhas folhas impressas. Quer fazer um teste? Pense em algo que eu lhe direi o que foi.

Mesmo sem querer acreditar no que estava vendo, ele pensou nos seus problemas econômicos.

Instantaneamente mais uma folha sai da maquina dizendo:

- Você pensou nos seus problemas econômicos, não foi? E lhe digo como resolvê-los. E passou a descrever a solução do problema, passo a passo. Aderbal não acreditou no que estava lendo. Além de acertar sobre o seu pensamento, lá estava a solução para os problemas que vinham lhe atormentando. A solução era perfeita.

Mais uma vez, uma nova folha é aparece:

- Aderbal, quando quiser falar comigo ou quiser algum conselho de qualquer tipo, é só vir aqui e apertar o botão azul três vezes.

E assim, Aderbal voltou para sua sala meio confuso, porém totalmente deslumbrado com aquela maravilha cibernética.

Chegando lá, ainda sob o efeito do ocorrido, contou em detalhes ao seu colega, o que lhe havia acontecido.

Este logicamente não lhe deu muitos créditos, mas devido a conhecer muito bem Aderbal e saber que ele não era homem e brincadeiras, resolveu discretamente testar as estranhas qualidades daquela máquina.

Não é que deu certo! Ela também identificou o seu pensamento e imprimiu um esquema detalhado de como resolver a sua questão.

Aos poucos, de boca em boca, todos ficaram sabendo das proezas daquela máquina. Uma impressora que dava todo tipo de conselho e resolvia todos os problemas que lhe apresentavam.

Rapidamente formou-se uma grande fila no corredor. Logicamente, todos queriam ser atendidos por ela. Todos queriam ter nas mãos a solução para os seus problemas.

Para um maior conforto e privacidade do consulente, providenciou-se uma cadeirinha que foi colocada ao lado da máquina e um biombo, para evitar o olhar indiscreto dos curiosos. Assim o local ganhou certo “ar” de confessionário.

E assim, a máquina começou a atender um por um, daquela fila que crescia a todo instante.

A essa altura dos acontecimentos, funcionários de outros andares já sabendo da novidade, se juntavam aos demais, aumentando cada vez mais a fila. O grande número de pessoas concentradas naquele corredor acabou por gerar um principio de tumulto.

A segurança foi rapidamente chamada para ordenar a tal fila e dar proteção para a máquina. Finalmente, ela, devido aos seus predicados, mostrava ter um valor inestimável para todos.

E assim, passaram-se horas e horas com a máquina em atendimento. Todos saiam maravilhados com suas respostas e com suas soluções originais e fantásticas para os problemas apresentados.

Há certa altura dos acontecimentos, a máquina passou a dar sinal de falta de papel. Logo alguém gritou: - Esta faltando papel! O papel acabou! Instantaneamente criou-se um corre-corre para solucionar o problema. Rapidamente, resmas e mais resmas de papel apareceram de todos os lados. Agora era só alimentar as gavetas e prosseguir sem demora, com aquela inusitada sessão.

Tenta daqui, tenta dali, e ninguém conseguia abrir as gavetas para colocar o papel, elas pareciam estar emperradas. A situação fez com que a tensão crescesse. Alguém gritou, deixa comigo que eu abro estas gavetas. Mas nada acontecia, até que alguém lembrou e mandou chamar o pessoal da manutenção.

A expectativa a essa altura já era grande e todos aguardavam com ansiedade a chegada do grupo que iria solucionar o problema.

Finalmente eles chegaram! Tentaram por várias horas e nada. De vez em quando alguém gritava:

-Cuidado com ela, não vão quebrá-la.

E o tempo passava e nada. Parecia que a máquina era blindada.

A tensão no corredor crescia cada vez mais. As pessoas que ainda não haviam se consultado foram chegando próximo ao desespero. Afinal de contas, aquela era uma oportunidade impar, uma oportunidade imperdível. Aquilo não podia estar acontecendo logo naquela hora.

No ápice da tensão, alguém já alucinado gritou:

- Agora esta máquina vai abrir, e se não foi por bem, será por mal! E num acesso fulminante de raiva, totalmente descontrolada, parte em direção á máquina com um extintor nas mãos e passa a golpeá-la violentamente. Quando o pessoal se apercebe e consegue conter o agressor, já era tarde demais. Infelizmente um desses golpes atingiu o painel de controle, e no mesmo instante a máquina começou a emitir uns estranhos sinais luminosos, até parar totalmente. Um pequeno cheiro de queimado se fez sentir no ambiente.

O silencio foi geral! O que teria acontecido? A máquina teria sido quebrada?

Fez-se um silencio profundo e começou a se criar uma atmosfera de vingança contra o agressor. Passados alguns segundos, alguém gritou lá do fundo: A culpa é dele! Ele é o culpado! Ele quebrou a nossa máquina!

Rapidamente catalisou-se uma ira coletiva contra o agressor, e em coro a galera começou a gritar histericamente, lincha, lincha, lincha!

Mesmo com todo aquele tumulto, alguém percebe que a máquina voltou a emitir sinais. Se bem que eram tímidos, mas eram sinais de vida. O que estaria acontecendo agora?

Para a surpresa de todos, os seus rolos lentamente começaram a funcionar e uma última e derradeira folha lentamente sai do seu interior. Após este ato ela parou completamente.

A folha é recolhida por um dos presentes que a lê com um semblante profundamente reflexivo. Imediatamente passa a mensagem para o outro colega. A reação deste é semelhante a do primeiro. E assim a derradeira mensagem vai passando de mão em mão e todos tendo a mesma reação. O agressor percebendo todos aqueles olhares fulminantes em sua direção começa a tentar sair de fininho. Mas do meio daquele tumulto ecoam as seguintes palavras:

- É agora!

E todos saem correndo atrás do infeliz gritando, lincha, lincha, lincha.

No corredor só restou mesmo à máquina irremediavelmente quebrada o último papel lançada por ela.

Nele podia-se ler: Lincha ele, lincha!

Claudio Sarnelli

22/09/2013

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Sentimentos.

Apressados, quatro homens entraram em uma sala de velório levando um caixão. Nele se encontrava o corpo de um senhor idoso, que acabara de falecer momentos antes. Uma equipe de funcionários já se encontrava lá arrumando o que faltava, para que se pudesse dar início, o mais rápido possível, ao ritual religioso. Ainda não eram dez horas da manhã.

Logo que se encerraram os preparativos, começaram a chegar as coroas de flores, uma após a outra, e a sala se tornou pequena para tantas flores. Os familiares iam chegando e se posicionando ao lado do morto, num ambiente que já exalava um forte cheiro; mistura de velas e flores.

As feições das pessoas não pareciam transtornadas com o acontecido. Talvez porque já se sabia, e há muito tempo, que o Sr Ruan tinha um câncer sério, e que nos últimos dias a situação havia se agravado.

O próprio Ruan falava dele com tranqüilidade e total consciência de sua gravidade. Tanto assim que já tinha deixado toda a sua documentação em ordem, com explicações escritas para tudo, tentando facilitar ao máximo a sua família, após a sua partida.

Dias antes, Ruan acabara de voltar de sua ultima viagem à praia, junto com sua irmã, idosa e viúva como ele. Esse era um costume que os dois irmãos criaram após Ruthe também enviuvar.

Porem, esta ultima viagem foi diferente das demais. Ruan passou a maior parte do tempo no quarto do hotel. As dores começaram a se intensificar e já não conseguia mais andar direito.

Quando não foi possível mais suportar o sofrimento, pediu para a irmã que antecipasse a volta. Mas, já era tarde. Do aeroporto foi direto para o hospital, sendo que após alguns dias veio a falecer.

Um padre foi chamado às pressas e meio a contra gosto, devido a aquela pressa toda, realizou a cerimônia de praxe. Em seguida, deu-se enterro propriamente dito, e mesmo antes de se completar totalmente o lacre do jazigo, alguns familiares já se retiravam. Ainda não eram doze horas da manhã.

Dentre os que saíram inicialmente, estava Ruthe.

Na saída do cemitério Ruthe fala para a sua filha mais nova:

- Felizmente conseguimos fazer tudo há tempo, agora podemos nos concentrar no aniversário de Nina (sua neta preferida).

A turma foi informada, ainda no cemitério, que mesmo tendo havido o enterro do tio avô Ruan, haveria a festa de aniversário da Nina.

Ruthe a filha e mais duas senhoras partiram para a casa, para aprontar a festa, que seria naquele mesmo dia, no final da tarde.

Como de costume, em dia de festa, um corre core se estabeleceu na casa, mas, exatamente às 17 horas estava tudo pronto para a recepção.

A chegada dos convidados foi um tanto quanto esquisita. Devido aquela situação inusitada, eles não sabiam exatamente o que dizer, e assim evitaram dar os parabéns para os donos da casa.

A situação se tornou realmente bizarra, quando foram cantar os parabéns para a Nina. Aí o constrangimento foi geral, até que um deles, mais arrojado, puxou a musica com veemência, e assim todos cantaram.

A partir daquele momento a festa transcorreu como todas as outras. Com muitas brincadeira e crianças correndo de lá para cá. Em fim, o mal-estar de se fazer aquela festa no mesmo dia da morte do tio Ruan, tinha acabado. E assim a reunião foi até o fim.

Quando todos os convidados foram embora, Ruthe vira para a filha e diz aliviada:

- Ainda bem que a morte do Ruan não estragou a festa da Nina.

Imagina como ela ia ficar se não houvesse a festinha.

Alguns minutos depois ela procura a filha, e desta vez, com ar de consternação, diz:

- Sabe filha, vou lhe confessar uma coisa.

Ruan já está me fazendo uma falta danada!

Não sei se vou agüentar a viver sem ele!

Você me conhece, sou uma pessoa muito sentimental.

Claudio Sarnelli

09/04/2013

terça-feira, 17 de setembro de 2013

O estertor.

Foi um verdadeiro drama.

Dagoberto havia sido encontrado morto de manhã, pela moça do café, debruçado sobre o teclado de seu computador.

O médico legista afirmou que pelos detalhes, ele havia sofrido um infarto, e que o fato deveria ter ocorrido há quase dois dias.

O trauma foi geral. Ninguém podia entender como uma coisa assim havia acontecido. Dagoberto estava morto á quase dois dias e ninguém havia percebido, mesmo com várias pessoas trabalhando naquela sala. Como isso poderia ter ocorrido?

Um sentimento de culpa assolou a todos.

Mas a verdade é que, já há muito tempo, por se recusar a participar das artimanhas engendradas pelos colegas da sala, Dagoberto havia sido esquecido pelo grupo. Mas mesmo assim, seguia fazendo o seu trabalho normalmente, sem dar muita importância à situação.

Aquela morte era uma situação inusitada, onde todos da sala, de uma forma ou de outra, ficaram traumatizados com o acontecido. Como “bons colegas”, foram todos ao velório, para a última despedida e para aliviar um pouco o peso que havia se instalado em suas consciências.

Discretamente, ao redor do caixão, começaram a tecer uma serie de elogios ao morto. Mas à proporção que o velório ia enchendo e pessoas importantes da empresa se faziam presentes, os comentários foram se acentuando, e enaltecendo cada vez mais as virtudes do ex-colega.

A um determinado momento, alguns mais observadores começaram a perceber que o corpo do Dagoberto parecia estar um pouco mais contraído do que quando eles lá chegaram. Em tom de espanto, comentários a esse respeito foram sussurrados discretamente. Parecia que alguma coisa muito estranha estava acontecendo. A cada minuto que passava, notava-se que o corpo do finado se contrair cada vez mais. O espanto e a curiosidade tomaram conta dos presentes.

Observando tudo, do alto da sala, a Morte, com suas grandes asas negras e sua foice reluzente, esperava calmamente o término do velório para levar definitivamente a alma de Dagoberto. Ao perceber a profunda agonia que aquele espírito estava passando, ela diz para o falecido de forma incisiva: - Dagoberto, não adianta mais. Entenda que você morreu e que não pode mais voltar. Este é um caminho sem volta.

Dagoberto olha para ela e diz repleto de indignação:

- Senhora, eu sei bem disso, mas é que mesmo morto eu não agüento a presença destes hipócritas fazendo discurso sobre minhas virtudes, inclusive sobre algumas que nem as tenho.

Quando estava vivo nem um bom dia me era dado, agora ficam aí me bajulando. Fazem agora o que sempre fizeram, tentam se passar por pessoas de alto valor humanitário, mas na verdade são um bando de abutres. Se não fosse a Zefa, acho que ainda estaria ainda lá, debruçado sobre a mesa e apodrecendo cada vez mais.

Só era lembrado quando a coisa apertava e lá viam eles, amáveis e respeitosos para que pudesse resolver a questão. Depois só havia desprezo e esquecimento.

Entre eles a relação era sempre de puro elogio, onde a “irmandade” se tratava sempre pelo diminutivo. - Saiba senhora, eu nunca me dobrei a todo aquele embuste. Agora eles têm o desplante de virem aqui para me elogiar. Mais um ato de fingimento, de simulação e de falsidade.

Após ouvir tudo atentamente, e sendo a morte apenas um anjo, que não é nem bom nem mau, e que apenas executa o seu trabalho, achou toda aquela situação merecia uma repreenda. Sendo assim concedeu a Dagoberto a possibilidade de se expressar pela ultima vez para aquele grupo.

Repentinamente uma respiração rouca e crepitante vindo do defunto rompe o silencio momentâneo que fazia na capela.

Era o morto que parecia estar voltando à vida. Espanto e desespero tomam conta dos presentes.

Em seguida escuta-se uma voz rouca e profunda. Era o Dagoberto que se pronunciava pela ultima vez:

- Bando de calhordas; bando de hipócritas! Deixe-me em paz!

A debandada foi geral.

Claudio Sarnelli 20/05/2013

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

No controle.

Totalmente esbaforido, Altino rompeu a porta da nossa sala e meio atordoado disparou:

- Vocês já ouviram o bordão desta rádio nova?

Sem entender o que estava acontecendo, nos olhamos, e quase que em uníssono respondemos: - Não!

Continuando, ele acrescentou:

- Não é possível; a gente tem agora que ficar ouvindo isso o tempo todo.

Alguém tomou a iniciativa perguntou:

- E o que diz esse tal bordão de tão impressionante assim, Altino?

- Os caras agora ficam dizendo o tempo todo,

”Em vinte minutos tudo pode mudar”,

”Em vinte minutos tudo pode mudar”,

-Pode uma coisa dessa? Esses caras são uns terroristas!

Agora a gente tem que ficar imaginando, que em vinte minutos pode haver uma enchente na cidade e levar meu carro, um terremoto, eu posso ser assaltado e seqüestrado. Em vinte minutos pode até iniciar uma guerra mundial! Isso é terrorismo psicológico.

E concluindo proclamou: - Eu não ouço mais esta rádio. Isso é um absurdo!

Aquela frase tinha mexido realmente com a insegurança de Altino, um cidadão pacato, mas controlador por excelência. O bordão daquela rádio o tinha tirado visivelmente da sua zona de conforto, de onde “tudo dominava”. Tinha lançado por terra, toda falsa idéia de controle que tinha, sobre tudo e todos.

Nos dias seguintes Altino foi trabalhar, mas o seu comportamento estava visivelmente mudado. Passava pelos corredores em intensa sudorese e volta e meia confessava, aos mais próximos, que depois daquele dia, passou a sentir ataques de ansiedade, de medo, e até algumas vertigens.

Quando não agüentou mais, foi parar na terapia. Após várias sessões, concluíra meio em pânico, e com muito pesar, que o mundo não era controlável e sim totalmente aleatório. E com essa observação cruel, percebeu que o tal bordão era uma realidade. Descobriu ainda, que tinha passado a vida fugindo desta realidade e criando mecanismos manipuladores.

Passado algum tempo desde o dia daquele acontecimento, eis que Altino chega ao trabalho tranqüilo e sorridente, como nunca antes visto.

Naqueles dias, pela sua serenidade, ele era o próprio senhor da situação.

A turma, que já andava alerta, ficou intrigada com aquela mudança tão repentina.

-Sabe como são as turmas dos escritórios!

Logo, uma força tarefa foi montada para descobrir o que estava acontecendo. Investiga daqui, investiga dali, e finalmente descobre-se o motivo de tanta tranqüilidade.

Altino tinha terceirizado suas preocupações.

Em seu carro, ele havia colado um enorme adesivo plástico que dizia:

“Deus está no controle, ele cuida de mim. Deus é fiel”.

domingo, 8 de setembro de 2013

A crítica, a ética e o "politicamente correto".

Como se pode exercer o direito da crítica sem ultrapassar os limites da ética e não se chocar com a barreira do "politicamente correto"?
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Imagine você fazendo parte da equipe do navio transatlântico Costa Concordia, com cerca de 4 mil passageiros, sob as ordens do Comandante Francesco Schettino. Por negligência, a embarcação encalhou e posteriormente naufragou na costa da Itália. No incidente, 30 pessoas morreram.
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Sabendo da fama de irresponsável de seu comandante, e que isso poderia colocar em risco a vida de milhares de passageiros e da própria tripulação, o que você faria?
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Ficaria calado - porque não seria ético e é politicamente incorreto falar dos defeitos de seus colegas de trabalho, principalmente dos seus superiores - ou comunicaria à companhia, tentando alertar sobre uma possível catástrofe?
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A função da ética é dar equilíbrio e bom funcionamento às relações sociais, possibilitando o bem comum. Ela está relacionada com o sentimento de justiça social.
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Para que isso ocorra, a relação ética deve ter mão e contra-mão. No momento que alguém age e por algum motivo prejudica outrem, abre-se automaticamente o canal para a crítica. Logicamente, uma crítica construtiva, que tenha a intenção de restabelecer a normalidade das relações.
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Atualmente, algumas pessoas já começam a questionar, o que julgam ser exagero, a diretriz do "politicamente correto" para o bem-estar comum.
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Segundo o filósofo pernambucano Luiz Felipe Pondé, essa diretriz é uma forma de censura fascista que grupos estabelecem para que o seu silêncio beneficie a eles ou a pessoa de seu interesse.
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Portanto, quando alguém ou alguma instituição social é prejudicada, temos o direito legítimo à critica, sem preocupação com a "ética" e o "politicamente correto".
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Todos temos o direito, na intenção de se reestabelecer a justiça, de dizer:
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- "Vada a bordo, Schettino!" *
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* Fala do comandante De Falco, da Capitania dos Portos, ordenando à Schettino que ele voltasse para bordo. Ele foi um dos primeiros a abandonar o navio.
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Claudio Sarnelli
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15/10/2012

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

A grande batalha.

Aos poucos ele foi recobrando a consciência. Sons longínquos começaram a se fazer ouvir juntamente com os primeiros lampejos de algumas imagens distorcidas.
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Começou a sentir um frio intenso e a perceber quando lhe eram colocados alguns cobertores para lhe aquecer melhor. Em certos momentos ouvia gritos de horror misturado a um forte cheiro de eter.
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Passado algum tempo notou que algo havia mudado no ambiente, o local estava mais quente e já podia distinguir e compreender as palavras que estavam sendo ditas ao seu redor. O que teria acontecido? Onde estaria?
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Repentinamente, percebeu que ao seu lado havia uma moça que lhe perguntava qual era o seu nome e como ele estava se sentindo.
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Ele ainda entorpecido respondeu com dificuldade:.
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- Souza, meu nome é Souza; Praça Souza.
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Atordoado, e sem ainda distinguir bem as feições daquela pessoa, pergunta: - Quem é você? Onde estou?
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Ela delicadamente responde:
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- Meu nome é Raquel. Sou uma enfermeira brasileira e estou aqui para lhe ajudar. Você está em um hospital para se tratar.
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Souza , cheio de esperanças, pergunta mais uma vez:
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- Estamos no Brasil?
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Raquel lhe diz que eles ainda estão na Italia e que estão em um hospital de campanha. Diz ainda, que ele iria precisar passar mais algum tempo alí, antes de voltar para casa.
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Aos poucos o Praça Souza lembrou-se de tudo o que lhe havia acontecido.
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Sua companhia tinha sido designada para para a tomada de Monte Castelo, que se encontrava sob o domínio alemão.
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Mesmo sem nenhum apoio aéreo ou terrestre, devido as péssimas condições do tempo, tinha restado apenas para aquele grupo de Praças barasileiros avançar colina acima armados exclusivamente com suas bravuras e muita fé. Inicialmente o ataque parecia estar sendo bem sucedido até o momento em que o inimigo, com extrema violência, rechassou o grupo da FEB, através de lançamentos de uma grande quantidade de morteiros.
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Neste contra-ataque o Praça Souza foi atingido gravemente na perna, ficando desacordado no campo de batalha por muitas horas até ser resgatado pelos seus companheiros.
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Por ter ficado assim por um longo tempo sem atendimento médico, uma infecção havia se instalado comprometendo gravemente a sua vida.
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Recolhido para uma área mais segura, o Praça delirava continuamente devido á febre alta, e em certos momentos era obrigado a receber morfina para aliviar as terríveis dores que faziam seu corpo se contorcer freneticamente. Depois de um longo tempo de espera e já com sintomas de uma grave infecção, finalmente foi transferido para o hospital de campanha.
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Lá, quando se sentia melhor, passava a conversar com a enfermeira Raquel e a lhe contar sobre a sua vida, falar de sua familia , como chegou até alí e o que pretendia fazer quando a guerra acabasse e ele voltasse para casa.
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Raquel, consciente do grave quadro clínico que ele apresentava, apenas ficava ouvindo e eventualmente secando a sua fronte com um maço de gazes quando a febre se tornava muito alta.
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A proporção que o efeito da morfina ia terminando e as dores iam voltando, Souza mudava de assunto e passava a falar unicamente sobre a morte. Falava dela com a propriedade de quem já a conhecia.
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- Sabe Raquel, dizia ele de forma tranqüila, porém com um semblante transtornado pelas dores, eu soube que em Pistoia estão enterrando soldados brasileiros por lá. Mas nada disso me assusta mais. Durante estes dias que estive aqui , e devido a esta condição vulnerável que me encontro, aprendi várias coisas.
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- As pessoas devem morrer da forma que viveram, e esta guerra não faz parte da minha vida. Sempre vivi em paz. Quanto mais tento fugir deste fato, mais extraordinário ele se torna.
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A essa altura, já com uma respiração profunda e pesada, que por vezes ocupava todo o salão, Souza seguia falando:
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- Só agora entendo. Devíamos começar a nossa vida pela morte. Assim, tudo seria diferente, haveria outro sentido para as coisas. Se fosse assim, dizia intercalando uma respiração penosa e profunda, esta guerra miserável certamente não estaria acontecendo.
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Raquel observava aquele homem que lutava a sua última batalha e que se alternava entre uma paz serena e um medo profundo. Certamente, buscava a melhor estratégia para encontrar o caminho correto para uma boa morte. Espantava-se com a sobriedade daquele soldado moribundo e ouvia aquelas palavras com profunda atenção.
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Souza, a esta altura, proferia palavras agora quase inaudíveis. Passou a falar da escuridão da trincheira em que ele se encontrava e do túnel negro em que ela havia se transformado.
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Em um último e derradeiro esforço, já envolto no odor rançoso da morte, chama por Raquel e diz de forma quase incompreensível:
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- Raquel, Raquel, você que foi o meu anjo da guarda durante todo este tempo, escute bem o que vou lhe dizer. Preciso lhe contar. Eu já estou aqui, e acabo de descobri como enganar a morte. Tudo é muito simples. Para você enganá-la precisa saber apenas de uma pequena coisa. Você precisa simplesmente................................................
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Claudio Sarnelli
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01/09/2013

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O funeral de Edmea.

Em 1983, o cineasta italiano Federico Fellini lançou o filme “E La Nave Va”. Nele, um grupo de amigos de Edmea Tetua, que acreditavam ser ela a maior cantora lírica de todos os tempos, parte da Itália a bordo do luxuoso navio Glória N, rumo à ilha de Érima .
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O objetivo da viagem? Assistir ao funeral da cantora que, segundo vontade expressa em testamento, determinou a dispersão de suas cinzas naquela que fora sua ilha natal..
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Chegando à ilha, todos se deslocaram até o local da cerimônia. Ao chegarem, encontraram um cidadão que já os esperava e de longe observava todo o movimento. Ele se trajava todo de branco, usava chapéu e capa branca. Pela posição que o sol se encontrava, não era possível reconhecer sua feição. Mas, pela qualidade de suas roupas, deveria se tratar de alguém de posse..
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Após todos chegarem, teve início a cerimônia. Neste exato momento, o homem enigmático se aproximou. A urna foi aberta e os amigos, um por um, foram tirando um pouco das cinzas e jogando ao ar sobre aquele solo rochoso da ilha de Érima..
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Próximo ao término da cerimônia, um dos amigos de Edmea aproximou-se do estranho personagem e perguntou, após cumprimentá-lo:.
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– O senhor também foi amigo de Edmea?.
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O homem de branco respondeu:.
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– Não sei se posso dizer que fomos amigos, mas posso afirmar que tivemos um extenso relacionamento..
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– Então, o senhor a conhecia muito bem – deduziu, com olhar inquiridor..
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– Sim, mas preferia não tê-la conhecida..
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– Como assim, senhor?! Ela não era tua amiga?! – admirou-se..
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– Não. Edmea não era amiga de ninguém. Acho que nem de si própria..
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– Como assim?! – indagou o amigo de Edmea, já com a curiosidade aguçada..
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– Essa pessoa que agora é pó sempre fingiu ser quem não era – respondeu o estranho..
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–Mas como?! Os amigos de Miss Ed são totalmente crentes da sua personalidade – rebate o amigo..
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– Desculpe senhor, mas a preocupação que demonstrava com o próximo era totalmente falsa. No fundo, a sua única intenção era manipular as pessoas para que elas a servissem. O poder e a glória eram seus únicos objetivos. Com sua voz maravilhosa, hipnotizava as pessoas e as tornava seu escravo. Para chegar ao estrelato, manipulou seus amigos e difamou suas concorrentes. Quando se tornou uma estrela, perseguiu e humilhou os oponentes. Em especial um deles, que tentou destruir. Muitos sucumbiram à sua total falta de caráter e à sua personalidade nefasta. Inclusive eu! – acrescentou..
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– Mas, senhor, se pensas assim sobre Miss Ed e também fostes tão prejudicado por ela como dizes, por que viestes ao funeral?!.
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O homem misterioso, pegando o resto das cinzas que ainda sobrava na urna, joga-as ao vento e, olhando para aquele solo rochoso e totalmente estéril, onde nada poderia nascer, responde:.
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– É apenas para ter certeza absoluta de que ela se foi..
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(Adaptação livre da obra-prima de Federico Fellini, E La Nave Va, 1983).
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Claudio Sarnelli.
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31/10/2012

sábado, 31 de agosto de 2013

Prefácio do Blog

Não sei exatamente como e porque comecei a escrever Contos e Crônicas.

Talvez tenha sido pela necessidade de desfocar um pouco a minha mente, da pesada rotina do dia a dia, numa tentativa de expressar algo através da escrita.

Quando comecei e passei a escrever e a divulgar para os amigos mais próximos, percebi que tinha criado com eles um novo canal de comunicação, especialmente com os meus colegas de trabalho, dos quais sempre recebi bons retornos.

Acho que por isso, terminei tomando gosto pelo assunto e finalmente, após pensar muito, decidi criar este Blog.

Nele, além de reunir os meus Contos e Crônicas, abro um espaço para notas, pensamentos, provocações e ``trecos`` em geral.

Espero que gostem, e contribuições serão sempre bem vindas.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A festa de Desiree.

Desirre, francesa de Marselha, tinha cabelos longos e negros que lhes escorriam ondulosamente sobre os ombros. Seus olhos agudos e atentos, harmonizavam-se com suas expressões e gestos teatrais.

Desirée Bran, esse era o seu nome completo. Ela se dizia uma jovem viúva, mas corria o boato que ela teria deixado o seu marido, e por isso ele teria ficado louco de ciúmes, o que o levou a terminar seus últimos dias em um hospício da pequena cidade de Toulon no sul da França.

Chegando a Madri, Desirre logo procurou o ponto de encontro dos artistas e intelectuais da época, “La Taberna de Juan”.

Sempre sorridente e falante, demonstrava um certo conhecimento do movimento artístico de vanguarda que borbulhava naquela época em Paris. Com isso, facilmente conquistou várias amizades no local. Falam que ela teria absorvido estes conhecimentos através dos jornais da época, devido aos escândalos das exposições de Modigliane que apresentavam nus expostos em vitrines nas galerias de artes.

Certa noite, Desiree encontrava-se sozinha em uma mesa da taberna, quando um homem alto e magro evidenciando um ar aristocrata se aproximou. Neste instante, “inesperadamente” seu lenço cai ao chão. Rapidamente o desconhecido se agacha e o recolhe.

Nele podia-se ver claramente bordado o nome do grande artista italiano Amadeo Clemente Modigliani.

O homem se dirige e Desirre e pergunta:

- A senhorita conhece Modigliani?

Ela, com um certo ar de timidez e com um sorriso enigmático, responde em voz baixa:

- Oui monsieur, nós somos muito amigos.

Dando a entender que aquela amizade ia muito mais além que uma simples amizade entre um homem e uma mulher.

Rapidamente o homem desconhecido se apresenta:

- Desculpe senhorita, eu não me apresentei. E olhando profundamente para a jovem diz:

-Eu sou Dilermando Del Castillo, um pobre amante das artes.

Na verdade, tratava-se do Conde Dilermando Breno Del Castillo, figura importante da sociedade da época, um aristocrata rico e mecenas famoso. Era também conhecido e afamado em toda a europa por seus relacionamentos amorosos e por seus gastos desregrados.

De forma elegante o Conde Dilermando juntar-se á ela.

Assim feito, os dois passam toda a noite juntos conversando sobre arte, principalmente sobre a nova arte que estava sendo feita em Paris.

A partir deste momento iniciou-se uma relação de intimidade entre o Conde Dilermando e a jovem Desiree.

O Conde agora totalmente envolvido pela sua nova conquista amorosa e como ela demonstrava um certo conhecimento das artes de vanguarda, resolveu torná-la curadora da sua Academia de Belas Artes, escola que ele mantinha em Madri.

Para oficializar a posse de Desiree, resolve dar uma grande festa para a sua nova amada nos salões de sua mansão.

Além dos convidados habituais para esta ocasião, convida também o escultor Constantin Brancusi, que naquela oportunidade encontrava-se em Madri. Constantin, como sabido por todos, também era um grande amigo de Modigliani e foi através dele que Modigliani trocara a pintura pela escultura.

Chega o dia da festa e os salões já estavam repletos com todos querendo conhecer a nova curadora da Academia de Belas Artes de Madri.

Desiree chega e é conduzida, através do salão, pelo Conde Dilermando que orgulhosamente a apresenta a todos os seus convidados.

Ao encontrar o escultor Constantin, Dilermando ficou exultante. Apresenta a sua nova protegida ao amigo, mencionando a profunda amizade dela com Modigliani, totalmente convencido que pela relação deles com Modigliani, ambos necessariamente já se conheciam ou provavelmente já seriam amigos.

Neste momento o escultor se dirige á jovem dizendo:

- É um grande prazer conhecê-la mademoiselle.

Com este cumprimento Desiree percebe que acabara de ter sido desmascarada. Rapidamente se esgueira através dos convidados, enquanto o Conde permanece completamente atônito com o acontecido. Ele acabava de compreender que a sua amada o tinha enganado, e que tudo que teria ocorrido tinha sido meticulosamente planejado.

Se tratava de um grande golpe. Desiree era uma farsante.

Quando o Conde Dilermando se recuperou do susto, Desiree já havia desaparecido, saindo da festa sem que ninguém a visse.

Do episódio entre o Conde Dilermando Breno Del Castillo e Desirée Bran, se assim podemos chamá-la, só sobrou o seu xale, esquecido sobre uma das cadeiras da mansão.

Deste dia em diante ninguém mais em Madri viu ou ouviu falar de Desiree Bran.



Claudio Sarnelli

Janeiro/2013