sexta-feira, 6 de setembro de 2013

A grande batalha.

Aos poucos ele foi recobrando a consciência. Sons longínquos começaram a se fazer ouvir juntamente com os primeiros lampejos de algumas imagens distorcidas.
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Começou a sentir um frio intenso e a perceber quando lhe eram colocados alguns cobertores para lhe aquecer melhor. Em certos momentos ouvia gritos de horror misturado a um forte cheiro de eter.
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Passado algum tempo notou que algo havia mudado no ambiente, o local estava mais quente e já podia distinguir e compreender as palavras que estavam sendo ditas ao seu redor. O que teria acontecido? Onde estaria?
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Repentinamente, percebeu que ao seu lado havia uma moça que lhe perguntava qual era o seu nome e como ele estava se sentindo.
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Ele ainda entorpecido respondeu com dificuldade:.
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- Souza, meu nome é Souza; Praça Souza.
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Atordoado, e sem ainda distinguir bem as feições daquela pessoa, pergunta: - Quem é você? Onde estou?
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Ela delicadamente responde:
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- Meu nome é Raquel. Sou uma enfermeira brasileira e estou aqui para lhe ajudar. Você está em um hospital para se tratar.
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Souza , cheio de esperanças, pergunta mais uma vez:
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- Estamos no Brasil?
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Raquel lhe diz que eles ainda estão na Italia e que estão em um hospital de campanha. Diz ainda, que ele iria precisar passar mais algum tempo alí, antes de voltar para casa.
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Aos poucos o Praça Souza lembrou-se de tudo o que lhe havia acontecido.
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Sua companhia tinha sido designada para para a tomada de Monte Castelo, que se encontrava sob o domínio alemão.
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Mesmo sem nenhum apoio aéreo ou terrestre, devido as péssimas condições do tempo, tinha restado apenas para aquele grupo de Praças barasileiros avançar colina acima armados exclusivamente com suas bravuras e muita fé. Inicialmente o ataque parecia estar sendo bem sucedido até o momento em que o inimigo, com extrema violência, rechassou o grupo da FEB, através de lançamentos de uma grande quantidade de morteiros.
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Neste contra-ataque o Praça Souza foi atingido gravemente na perna, ficando desacordado no campo de batalha por muitas horas até ser resgatado pelos seus companheiros.
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Por ter ficado assim por um longo tempo sem atendimento médico, uma infecção havia se instalado comprometendo gravemente a sua vida.
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Recolhido para uma área mais segura, o Praça delirava continuamente devido á febre alta, e em certos momentos era obrigado a receber morfina para aliviar as terríveis dores que faziam seu corpo se contorcer freneticamente. Depois de um longo tempo de espera e já com sintomas de uma grave infecção, finalmente foi transferido para o hospital de campanha.
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Lá, quando se sentia melhor, passava a conversar com a enfermeira Raquel e a lhe contar sobre a sua vida, falar de sua familia , como chegou até alí e o que pretendia fazer quando a guerra acabasse e ele voltasse para casa.
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Raquel, consciente do grave quadro clínico que ele apresentava, apenas ficava ouvindo e eventualmente secando a sua fronte com um maço de gazes quando a febre se tornava muito alta.
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A proporção que o efeito da morfina ia terminando e as dores iam voltando, Souza mudava de assunto e passava a falar unicamente sobre a morte. Falava dela com a propriedade de quem já a conhecia.
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- Sabe Raquel, dizia ele de forma tranqüila, porém com um semblante transtornado pelas dores, eu soube que em Pistoia estão enterrando soldados brasileiros por lá. Mas nada disso me assusta mais. Durante estes dias que estive aqui , e devido a esta condição vulnerável que me encontro, aprendi várias coisas.
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- As pessoas devem morrer da forma que viveram, e esta guerra não faz parte da minha vida. Sempre vivi em paz. Quanto mais tento fugir deste fato, mais extraordinário ele se torna.
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A essa altura, já com uma respiração profunda e pesada, que por vezes ocupava todo o salão, Souza seguia falando:
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- Só agora entendo. Devíamos começar a nossa vida pela morte. Assim, tudo seria diferente, haveria outro sentido para as coisas. Se fosse assim, dizia intercalando uma respiração penosa e profunda, esta guerra miserável certamente não estaria acontecendo.
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Raquel observava aquele homem que lutava a sua última batalha e que se alternava entre uma paz serena e um medo profundo. Certamente, buscava a melhor estratégia para encontrar o caminho correto para uma boa morte. Espantava-se com a sobriedade daquele soldado moribundo e ouvia aquelas palavras com profunda atenção.
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Souza, a esta altura, proferia palavras agora quase inaudíveis. Passou a falar da escuridão da trincheira em que ele se encontrava e do túnel negro em que ela havia se transformado.
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Em um último e derradeiro esforço, já envolto no odor rançoso da morte, chama por Raquel e diz de forma quase incompreensível:
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- Raquel, Raquel, você que foi o meu anjo da guarda durante todo este tempo, escute bem o que vou lhe dizer. Preciso lhe contar. Eu já estou aqui, e acabo de descobri como enganar a morte. Tudo é muito simples. Para você enganá-la precisa saber apenas de uma pequena coisa. Você precisa simplesmente................................................
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Claudio Sarnelli
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01/09/2013

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