quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A fenda.

Egberto acordou sobressaltado com o choro de sua filha. Levantou-se rapidamente e tratou de atendê-la. Logo que a pequena se acalmou e dormiu, retornou para a sua cama.

Mas algo o impedia de dormir imediatamente. Por algum tempo ficou rolando, sem conseguir reconciliar o sono. Enquanto se movia “de lá para cá”, observou que o relógio, que se encontrava ao seu lado, sobre o criado-mudo, marcava exatamente 00h00min. Admirado concluiu: Que coincidência!

Curioso, passou a examinar o relógio, que estranhamente não avançava.

Isso começou a intrigá-lo. Estaria quebrado? Pensou.

Passou mais algum tempo e enigmaticamente o relógio não se movia.

De repente, tudo que estava no quarto começou lentamente, a emanar uma suave luz azul brilhante. A cada instante, se tornava mais forte, até o ponto que já não era mais possível ver os objetos do próprio quarto. Profundamente assustado, descobriu que Marise, sua mulher, já não se encontrava mais ao seu lado.

Após alguns instantes, a luz se tornou tão intensa, que ele já não podia mais manter os olhos abertos. Curiosamente, mesmo com eles fechados, podia perceber todas as nuances daquela luz. Gradativamente, ela foi se transformando em uma vibração, que de intensa foi se tornando cada vez mais suave e harmônica.

Egberto, mais uma vez se assustou, e quase entrou em pânico quando percebeu que seu corpo também já não mais existia. Ele e aquela vibração haviam se fundido em uma só unidade. Ele pensou: - Terei morrido enquanto dormia? A morte é assim?

Mas o fato é que ele, paulatinamente, começou a se sentir dissolvido naquela onda de energia, sendo tomado por um estado de plenitude que jamais havia experimentado. Encontrava-se em um contentamento imperturbável, sentindo-se uno com o próprio universo.

Quando percebeu isso, concluiu com uma certeza absoluta: - Morri! Agora sei que morri.

Egberto ficou neste estado por horas, “curtindo” a sua morte. Finalmente ela não era uma coisa tão ruim, muito pelo contrário. Ele tinha alcançado um estado de grande felicidade, de glória, de uma bem-aventura perfeita, o que em vida seria impossível.

- É; não havia mais duvida, Egberto havia morrido enquanto dormia.

Repentinamente algo aconteceu. Ele percebeu que agora, já presente no seu corpo, viajava a uma velocidade indescritível, dando a impressão que uma seqüência de portas ia se fechando atrás dele. A cada passagem por uma delas podia ouvir um estrondo fortíssimo.

Era sua mulher que o acordara para saber como estava a menina. Ele, ainda atordoado com o acontecido, balbuciou algumas palavras sem nexo e virou para o outro lado. Neste instante percebeu claramente que o relógio que ainda marcava 00h:00 min, acabava de passar a marcar o primeiro segundo do novo dia.

Surpreso concluiu mais uma vez: - Eu não estou morto! Ainda pasmo com o que lhe havia ocorrido refletiu: Mas aquele tempo todo que passei naquele lugar foi real. Tenho certeza que foi real.

Mas todas essas perguntas iniciais não se significavam nada perante o grande sentimento de paz que aquela profunda experiência lhe tinha proporcionado.

O dia amanheceu e ele se mantinha desperto, deleitando-se com aquela felicidade sem fim. E foi assim pelo resto da manhã, tarde e noite.

Os dias foram se passando e todas as noites enquanto Egberto dormia, invariavelmente ele passava pela mesma experiência.

Nesse período, passou a falar raramente com as pessoas da casa e fechou-se.

Desfrutava no silêncio a grande benção que tinha recebido.

Curtia o dia de bem- aventurança, enquanto aguardava a noite chegar para mais um encontro, e para mais uma dose de felicidade incomensurável.

As coisas do mundo já não lhe importavam mais.

Os encontros noturnos de Egberto se repetiram sempre, da mesma forma e por exatos trinta dias.

Quando a experiência passou a não ocorrer mais, ele, aos poucos, com o decorrer dos dias, passou a se comportar de forma muito estranha e obsessiva. Só falava da luz azul e da angustia que era viver sem ela. Não conseguia conviver mais com sua antiga realidade, sem aqueles encontros.

Passou a acordar á noite, sobressaltado, sem fôlego, ofegante e murmurando repetidamente: A luz, a luz........

Os dias se passaram, mas a experiência nunca mais se repetiu.

Certo dia, Egberto já bastante depauperado, desapareceu de casa.

E por um bom tempo permaneceu sumido. A família, desesperada, por vários dias o procurou por toda a cidade.

Ela ficava se perguntando:

- Onde estará Egberto? O que ele estará fazendo?

Em uma manhã chuvosa, chegou a terrível resposta. Egberto tina sido encontrado, porém sem vida. Ele tinha pulado do viaduto mais alto da cidade.

Em sua mão foi encontrado um bilhete que dizia: Perdão Marise,

Descobri que existe uma fenda no tempo, e a luz azul está lá.

Já não consigo mais viver sem ela.

Só assim posso encontrá-la.

Com muito amor,

Egberto

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