sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Barbosinha vai a New York.

Barbosinha é um amigo de longas datas, figura calma, baixinho e franzino, sujeito muito valente, destemido e principalmente orgulhoso das suas origens.

Filho de Cabrobo, cidade que fica lá no oeste do estado de Pernambuco, e como ele mesmo diz, sempre foi um homem do semi-árido, um homem do sertão. E isto podia ser notado pela sua forma de ser, e pelos seus costumes tradicionais.

De inteligência privilegiada, foi alfabetizado por dona Justina, professora das antigas, que se orgulhava deste seu aluno, que com apenas doze anos de idade já lia Camões, e era versado em vários outros escritores portugueses.

Aos 17 anos, Barbosinha partiu para o Recife para cursar a universidade, tornando-se o melhor aluno de todos os tempos daquela instituição. Aos 23, já era professor emérito de português, da escola de letras da universidade do Recife.

Afonso Barbosa Castanho De Almeida, mas para os amigos simplesmente Barbosinha. Sujeito culto, orgulhoso do seu conhecimento da língua portuguesa e extremamente polido ao falar. Não admitia, em hipótese alguma, o uso de gírias pelos seus alunos ou por quem quer que fosse.

Mesmo sendo um “homem do agreste” vestia-se sempre com excessivo apuro e formalidade. Seu costume é de, até hoje, usar camisa social fechada até o ultimo botão, Jamais foi visto com o peito desnudo por qualquer um dos seus amigos. Com a barba sempre bem feita e seu cabelo impecavelmente cortado e bem penteado, e usando sempre um leve gumex, que ninguém sabia onde ele conseguia, Barbosinha é realmente um tipo peculiar.

Dentre suas muitas manias, uma ficava evidente. Há muitos anos que Barbosinha vinha nos falando enfaticamente e sistematicamente, apesar de nunca ter ido aos Estados Unidos, sobre a beleza que é a árvore de natal do Rockefeller Center em New York.

Ele conhece toda a história desta árvore, desde a sua primeira exposição em 1931; e todo ano é a mesma coisa, vai chegando o natal e ele começa com a mesma história, a tal da beleza da árvore do Rockefeller Center.

Essa história já tinha virado piada entre os amigos.Quando alguém queria brincar com ele, e adjetivar alguma coisa de bela, era só dizer: - Êta, isso é mais bonito que a árvore do Rockefeller Center. Barbosinha não gostava muito, mas levava numa boa.

No ano passado ele se encheu de coragem e tomou uma decisão, a qual nos Informou quase que de forma solene: - Caros amigos, gostaria de “cientificar” a todos, que comprei passagem para New York e desta vez vou ver pessoalmente a beleza da árvore de natal do Rockefeller Center, ao vivo e á cores. Partirei em breve! Bradou ele.

Era uma grande notícia. Era, com certeza, a notícia do ano! Barbosinha finalmente iria conhecer a tal da árvore. Mas, no meio da conversa me ocorreu de perguntar:

- E o frio Barbosinha? Exclamei.

Confiante nos seus conhecimentos e na sua organização, ele me respondeu sorrindo:

- Não se preocupe meu amigo, que esta tudo absolutamente sob controle. Você já viu um pernambucano com frio!

E assim, Barbosinha partiu para a terra do Tio Sam, juntamente com Dna Mariá e sua filha Paloma, em busca da realização do seu sonho.

Depois de alguns dias, após a viagem do nosso amigo, interei-me do frio que estava fazendo em New YorK. Os termômetros estavam marcando quase 6 graus negativos. Entre preocupado e curioso, não me contive e liguei para Barbosinha.

Do outro lado da linha, uma voz macabra a tende ao telefone: -Alôôôôô......... A princípio não reconheci aquela voz. Alguns segundos depois disse:

-Eu queria falar com Barbosinha.

Então a voz catacumbica responde: - Ééééé ele quem faalaaaa! Queeeem tá falaaaando?

Por alguns instantes fiquei mudo por ouvir aquelas palavras arrastadas e fiquei imaginando o que estaria acontecendo com o velho Barbosa. Ele estaria doente?

Finalmente respondi: - Sou eu Barbosinha, o seu amigo baiano! Eu só estou ligando para saber como você está passando com todo este frio, que está fazendo aí em New York.

Neste momento o telefone emudeceu totalmente.

Um tempo depois, em meio a uma profusão de palavras inicialmente desconexas, pude entender finalmente o que Barbosinha queria dizer: -Traduzindo - Estou aqui no quarto do hotel debaixo de toneladas de cobertas, está fazendo um frio bárbaro.

Aí caí na bobagem de perguntar:

- Mas, pelo menos você já chegou a ver a tal da árvore?

Parece que neste momento a minha indagação ativou algo profundo no seu inconsciente. Aí o meu amigo não si conteve mais, e se transformando totalmente, como um menino aperreado disparou solenemente: - Seu filho do cabrunco, você tá me gozando é? Com esse frio fudido que esta fazendo quem é que quer ver a merda, a porra daquela árvore! Parece que é abestado! Você está de gozação comigo é? É? Seu borrego gaiato! Quando eu chegar aí você vai ver o que é bom prá tosse, seu filho do cabrunco.

Sem saber o que dizer, e me sentindo meio atabalhoado, pois nunca tinha ouvido Barbosinha falar daquele jeito e na tentativa de desviar um pouco o assunto, perguntei já meio sem graça:

-E Mariá e Paloma, como estão passando? Elas também estão com problema com o frio?

- Frio porra nenhuma! Elas foram passear e ver a merda daquela árvore. Já é a terceira vez que elas fazem isso.

Muito sem jeito, encerrei a conversa, o mais rápido possível, e desliguei.

Mas o fato é; quando Barbosinha voltou ao Brasil já não era mais o mesmo. Esta viagem o tinha mudado profundamente. De uma pessoa altiva, ele passou a ter um comportamento estranho meio depressivo, meio agressivo. Palavras chulas brotavam com facilidade de sua boca, principalmente quando se aborrecia. A sua fama de homem sério, cordato e polido já não lhe cabia mais.

Mas o que ele não agüentava mesmo, e aí ele virava uma fera totalmente sem controle, era ouvir DNA. Maria e Paloma falarem, ainda admiradas, para os amigos sobre a beleza que era a árvore de natal do Rockfeller Center.

Claudio Sarnelli

24/02/2013

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