quarta-feira, 23 de abril de 2014

O milagre

Envolvida em uma profunda aflição, Maria Encarnación viu à sua frente a grande e pesada porta do convento se abrindo. Lá estava a abadessa, figura de semblante frio e sisudo e ar bastante severo.

A madre esperava para recebê-la, juntamente com seu pai, uma autoridade local e homem de grandes posses.

Para aquela jovem, a passagem por aquela porta representava o limite entre o mundo da liberdade, do amor, e o de uma vida de profunda tristeza, reclusa em um pequeno claustro solitário.

Já que ela não tinha nenhuma inclinação religiosa, qual teria sido seu erro para tão severo castigo?

Ao que se sabe, por uma dessas casualidades do destino, Encarnación conheceu e se apaixonou por Ryan, um jovem mancebo, que, para o azar de ambos, era totalmente desprovido de recursos e distinção social.

Logo que soube do seu envolvimento com o Ryan, seu pai totalmente enfurecido reprovou violentamente aquele relacionamento, e rapidamente providenciou o seu internamento no monastério da cidade. Na madrugada do dia seguinte, o jovem Ryan fora raptado e forçado a embarcar em um navio que saia para a Espanha.

Os meses seguintes de Encarnación no mosteiro foram regidos por uma por apatia profunda e adoecimentos constantes. Naquele ambiente austero e de isolamento, sua única comunicação com o mundo exterior era no dia de visita, em que falava com sua mãe através de um estreito gradil de madeira, por apenas alguns minutos. Sem nenhuma inclinação religiosa e com indecifráveis intenções latentes, Encarnación passou a conviver com centenas de outras donzelas que ali estavam por motivos semelhantes ou por promessas feitas por seus pais, que as ofereciam como oferendas a sua santa de devoção.

Vivendo com apenas o indispensável, os meses, assim como os primeiros anos foram se arrastando entre o duro trabalho diário do monastério, as aulas e as longas horas de recolhimento espiritual.

Os únicos momentos de descontração resumiam-se às curtas caminhadas pelas ruelas daquele excêntrico convento e as discretas conversas com as outras educandas, nos belos pátios, repletos de flores e pequenos arbustos.

Certa tarde, em mais uma dessas caminhadas, discretamente Encarnación recebeu de uma laica de serviço um intrigante bilhete que dizia: - Em breve estarei com você, não se assuste.

Vivendo no meio de centenas de pessoas de sentimentos tão heterogêneos, tudo parecia ser possível.

E assim, Encarnación viveu os dias seguintes envolta no mistério daquele bilhete intrigante e anônimo.

Certa noite alguém bateu à porta do seu claustro. Já era bem tarde e a noite apresentava-se bastante escura. Maria Encarnación intrigada e com receio perguntou timidamente: - Quem está ai?

E como resposta obteve:- Preciso falar com você.

Aquela voz não era estranha para ela. Mas mesmo assim, por cuidado, olhou pela pequena vigia da porta e viu a imagem de uma monja usando o seu capuz que lhe escondia totalmente o rosto. Quem seria?

Neste instante ela ouviu: - Não se assuste Encarnación, sou eu. Sou eu! Ryan! Eu voltei.

Ryan! Como poderia ele estar ali? Como poderia ter saltado os altos muros de siliares que cercavam o mosteiro?

Mas o fato era que Ryan, após ter conseguido voltar da Espanha, havia achado uma forma de entrar no mosteiro.

Sem duvida era ele. Imediatamente abriu a porta e Juntos passaram o resto da noite trocando profundos carinhos e juras de um amor verdadeiro.

E assim os dias foram se sucedendo e Ryan, vestido com hábito de monja, todas as noites conseguia transitar furtivamente pelo convento sem ser notado e visitar a sua amada.

Devido aos movimentos clandestinos que existiam durante as noites do convento, com saídas e entradas das donzelas entre os vários claustros, Ryan terminou por ser descoberto devido a um pequeno detalhe: as botas que usava por baixo do hábito.

Rapidamente a abadessa foi avisada que havia um homem transitando no convento e que tinha entrado no claustro de uma das educandas.

Como explicar a presença de um homem na cela de seu mosteiro? Isso seria um verdadeiro escândalo, pensou ela.

Enquanto as auxiliares tentavam abrir a porta do claustro, a abadessa aflita tratou de mandar todos embora, deixando apenas duas madres de sua extrema confiança.

Quando finalmente conseguiram destravar a trancada porta, a madre superiora dispensou também as laicas, e juntamente com as outras duas madres entraram na cela.

Para sua surpresa, elas se depararam com um belo anjo que estava ajoelhado aos pés de Maria Encarnacion, e que repetia solenemente e sem parar: - Salve Maria, Salve Maria..............

Conta a abadessa que em um determinado instante, uma luz começou a emanar do corpo de Maria e a tomar toda a cela, a tal ponto de quase não permitir mais poder ser observada.

Mas mesmo assim, a madre superiora jura ter visto o corpo de Maria e do anjo, se transformarem em pura luz e se fundirem. Seguindo-se a isso, ela relata que houve uma grande explosão de energia, e como um raio toda aquela luz projetou-se porta a fora, indo em direção as montanhas localizadas próximas ao convento. A explosão de energia teria sido tão forte que chegou a queimar algumas peças do claustro.

Acontecido tudo isso, a abadessa convicta que tinha presenciado um verdadeiro milagre no seu monastério, determinou que a partir daquela data o claustro de Maria Encarnación se transformasse em um lugar sagrado do convento. Na madrugada prevista para a partida do navio que serviria de fuga para Ryan e Encarnación, enquanto a nave desatracava do cais, tomava o seu rumo e se perdia mar adentro, sendo engolida pala escuridão da noite, de dentro de uma carruagem, três vultos negros observam discretamente a partida daquele navio. Após alguns momentos a carruagem parte, e também ela se embrenha na escuridão daquela noite.

2 comentários:

  1. Realmente muito bom! Um prazer descobrir este blog! Com calma, procurarei ler os textos mais antigos.
    Bia

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  2. Obrigado Bia. Fico feliz por você ter gostado do blog.
    Um grande abraço.

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