quarta-feira, 30 de abril de 2014

Nando & Lica

Ainda era cedo, o expediente estava apenas começando, quando Hernando entrou na minha sala e foi logo dizendo: - Cara, eu amo Maria Amélia.

Fiquei sem saber o que dizer. Éramos amigos, mas conversávamos, no dia a dia, apenas assuntos de trabalho e sobre as sacanagens que sempre rola dentro de uma empresa. Nunca havíamos falado de seus assuntos particulares. Na época eu tinha poucos anos de empresa, e ele já era um profissional veterano em final de carreira.

Hernando, depois que se separou de sua mulher, passou a viver sozinho em seu apartamento e se transformou em um sujeito solitário, que poucas vezes saia. Vivia trancafiado em seu apto e quando a coisa ficava muito complicada era o zelador do prédio que ia fazer a limpeza e deixar as coisas em ordem. Sair, apenas para o trabalho.

Apesar de tudo, e de sua idade, ele se relacionava bem com a turma mais nova, e dentro dele, lá estava eu.

Mas naquela manhã Hernando estava diferente. Seu semblante parecia realmente abatido, como se houvesse passado a noite toda “em claro”. Aquela sua declaração parecia ser o início de um momento de desabafo.

Com calma, e fazendo longas pausas, como se estivesse ordenando o seu pensamento, contou-me que estava obcecado, já há anos, por uma colega, “a tal” Maria Amélia, e por mais que fizesse, não era correspondido. Enviara flores, enviara presentes, mas nunca obtinha respostas. Disse-me que sua paixão terminou se transformando em obsessão, e que ela chegou ao ponto de investigar a vida pessoal dela, com a intenção de achar algum espaço para poder conquista-la.

Sua mania o levou a segui-la nas suas atividades diárias. Se Maria Amélia ia a um supermercado, lá estava o Hernando observando-a de longe. Se ela ia a uma praia, lá estava ele fotografando a sua amada. Seu comportamento, de tão acintoso que era, obrigou-a a dar queixa na polícia. E lá se foi Hernando à delegacia dar esclarecimentos sobre o seu assédio. Terminou por ouvir do delegado, um belo carão e a promessas que se não mudasse de atitude, da próxima vez ele não seria tão condescendente.

E assim, o meu amigo Hernando caiu em profunda depressão, e por uns quinze dias, desapareceu do trabalho e se trancou em seu apartamento. Não falava com ninguém nem atendia telefonemas. Apenas o zelador, seu amigo, foi o seu único ser vivo que manteve contato com ele durante esses dias.

Passado o período de “luto”, Hernando reapareceu. Abatido, como era de se esperar, voltou, ou tentou retornar à suas atividades habituais. Como era de se esperar, a história de amor platônico do meu amigo se espalhou pela empresa, como um rastrilho de pólvora.

Naquela época, trabalhava conosco a Lícia, uma morena formosa, expansiva, cheia de personalidade, de relacionamentos abertos, com muita experiência de vida e muito fogosa. O único problema era que vivia fazendo visitas, quase que diárias, ao gerente do nosso banco.

Cheia de amor para dar, percebeu que aquele era um grande momento para resolver de vez os seus problemas. A fera estava ferida, em convalescência, e que sem dúvida precisaria de seu “apoio”.

E assim, a Lica, se empenhou em conquistar o Nando.

Com suas habilidades especiais e a carência do “seu amado”, a tarefa foi muito fácil de ser realizada. Em pouquíssimo tempo ela o tinha feito esquecer “a tal” Maria Amélia, e evaporou definitivamente a sua depressão.

A Lícia, na sua expansividade, cheia de alegria e amor para dar, alardeava aos quatro ventos que em breve os dois estariam morando juntos.

Rapidamente, Hernando vendeu o seu muquifo e comprou um apartamento “novo em folha” em um bairro nobre da cidade.

O ninho de amor, de Nando e Lica, estava armado. Os únicos pequenos inconveniente eram os dois filhotes adolescentes da Lica que iriam morar com eles. Mas Hernando nem estava ligando para isso. Parecia que finalmente ele havia conseguido uma família. Hernando e Lícia agora eram as personificações da pura felicidade. O homem ganhou uma nova vida e Líca se vangloriava que suas “habilidades especiais” tinham levantado o homem.

O tempo passou, e justiça seja feita, Lícia cuidou direitinho do velho Nando. Assumiu o papel de esposa responsável, dedicada e fiel, pelo menos até a onde se sabe. Ela o acompanhou com dedicação até a sua morte.

Tenho certeza que Hernando morreu bem assistido e digamos assim; “morreu feliz”. Superado este momento, e após certo tempo a “inquietude” e o “fogo” de Lica voltaram com tudo, e com eles, sua antiga vida.

O patrimônio deixado por Hernando foi rapidamente dilapidado, sendo que o belo apartamento do antigo casal, vendido para a compra de um menor. Hoje ela adotou um garotão malhado e voltou a fazer visitas ao seu antigo gerente.

Mesmo assim, acho que Hernando, onde quer que esteja, não a recrimina. Tenho certeza que os anos que ele passou com Lícia, foram os melhores de sua existência. Assim é a vida!

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